"O múltiplo sentido das permutações
do tempo que o poema permite
assombra. Uma sequência de imagens
simples, e finalmente convencionais,
a rápida sucessão das unidades dinâmicas do verbo,
combina as três perspectivas
que os filósofos dizem do eterno, do instante, e
do perene. A terra mesma se transforma,
a sombra das nuvens ao voar sobre as casas
dá repouso e abrigo à obra das nossas mãos.
Passam os anos como os dias, o dia de agora
é inteiro e completo como outrora.
Lendo, já sei, talvez nada aconteça:
vento nas folhas, água, uma estrela que cai.
Comendo a sopa quente diante da tv
a ordem da história e a sociedade não está
prevista no menu. Ainda assim são essas imagens voláteis
a razão do poema, enquanto dura o sol."
António Franco Alexandre, "Post-Scriptum", in Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim, 2021, p. 289.