Monday, November 30, 2020

NA ORLA

 



"Estavam ambos na orla do mundo conhecido, e cairiam no desconhecido porque a vertigem não os deixava explicar-se melhor."


Rachilde, Nossa Senhora dos Ratos, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: 2020, p. 97. 

Sunday, November 29, 2020

ENTREGA

 


"São marcos de cada vez que pousamos
um dedo no mapa da distância que nos julga
defender, estes nomes, póstumos, abandonados
à sua sorte, ao fogo que por eles ascenda
em canos de chaminé, em condutas para um gás
combustível, no rasto dos dardos que cruzam
o céu e se cravam no âmago do seu destino,
a Suíça, daí irrompendo, em efusão de arcadas,

para a fumigação perfeita destas noites.
E agora que o milénio chega ao fim e o tempo
trabalha para demolir, em ânsias de arrumar
a sala, sua é a entrega formal, a rendição
ao abismo em que os tem suspensos Deus,
acaso, infortúnio,
unidos numa posteridade que, muda, alarmada,
se deduz de um modelo de factos conhecidos."


Paulo Teixeira, O Rapto de Europa, Lisboa: Caminho, 1993, p. 29.

Saturday, November 28, 2020

O HOMEM

 



"Ele, o homem, através de todos os tormentos, já sentia o paraíso. Farejava-o como provisão prometida a todos os mártires da carne. Como devia ser bom, comparado com a fealdade da existência! Desde o começo da vida deste mundo, as coisas complicavam-se."


Rachilde, Nossa Senhora dos Ratos, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: 2020, p. 18. 

Friday, November 27, 2020

ENCONTRO

 



"Por sorte havia o céu. Como é que poderíamos viver sem nos lembrarmos do céu? Como bem sabíamos, aqui nos encontrávamos de passagem."


Rachilde, Nossa Senhora dos Ratos, trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: 2020, p. 18. 

Thursday, November 26, 2020

MORTALIDADE

 



"Em Palmira, a fonte de Efqa, 
na base da colina onde se ergue 
o templo de Baal-Hamnon, 
secou misteriosamente.

Nem Baal triunfa sobre a morte. 
Nem os deuses vivem para sempre."



Paulo Teixeira, A Comoção do Mundo, Lisboa: Caminho, 2020, p. 67. 

Wednesday, November 25, 2020

DIMENSÕES



"A manipulação destas ideias provocava-me uma euforia crescente. Acumulei provas que demonstravam que a minha relação com os intrusos era uma relação entre seres de diferentes dimensões. Nesta ilha poderia ter sucedido uma catástrofe imperceptível para os seus mortos (eu e os animais que a habitavam); depois teriam chegado os intrusos."


Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel, trad. Miguel Serras Pereira, 3ª. ed., Lisboa: Antígona, 2019, p. 79. 

Tuesday, November 24, 2020

SAÍDA


                       


"O pesadelo agora continua... O meu fracasso é definitivo, e para aqui estou a contar sonhos. Quero acordar, e deparo com essa resistência que barra a saída dos sonhos mais atrozes."


Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel, trad. Miguel Serras Pereira, 3ª. ed., Lisboa: Antígona, 2019, p. 52. 

Monday, November 23, 2020

HOMENAGEM A PAUL CELAN NO SEU CENTENÁRIO

 



"Ninguém nos moldará de novo em terra e barro, 
ninguém animará pela palavra o nosso pó. 
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor de ti queremos
florir. 
Em direcção
a ti. 

Um Nada
fomos, somos, continuaremos
a ser, florescendo:
a rosa do Nada, a
de Ninguém. 

Com o estilete claro-de-alma, 
o estame ermo-de-céu, 
a corola vermelha
da purpúrea palavra que cantámos
sobre, oh sobre
o espinho."


Paul Celan, "A Rosa de Ninguém", in Sete Rosas Mais Tarde - Antologia Poética, trad. João Barrento e Y. K. Centeno, 2.ª ed., Lisboa: Ed. Cotovia, 1996, pp. 103; 105. 

Sunday, November 22, 2020

ALTURAS


"Esquecemos as palavras,
as inscrições na pedra, 

o espelho do mundo
nos ecrãs de plasma - 

a crucificação pelas imagens."


Paulo Teixeira, A Comoção do Mundo, Lisboa: Caminho, 2020, p. 68. 

Saturday, November 21, 2020

A LENTA DESCIDA DAS ALTURAS

 



"A lenta descida das alturas do clima
para o espaço físico, sem memória, 
sem bandeiras, sem oráculos nem heróis. 

Envolta numa bandagem de gelo, 
a Europa, nas primeiras horas da manhã
de Março, entre o display e a escotilha, 

entre o mapa e o território, adormecida, 
por momentos, na ausência de poder
que se deduz da plácida geografia. 

É uma questão de escala e de altitude
o desejo do cartógrafo: medir o espaço
e desenhar-lhe com os dedos os contornos.

Este o prazer secreto da agrimensura, 
a passagem, numa pausa entre as nuvens, 
da paisagem árida, lunar, à topografia.

Portugal é uma orla, um fino recorte
do mundo, e torna-se mais nítido
o rosto com que fita o oceano. 

Em baixo, os pequenos pontos luminosos
são o presente e a intenção que move
os veículos pelas estradas nacionais.

Desces para uma história de vida, 
além da mancha de retalhos da lavoura. 
O rio, as pontes, a torre e o mosteiro, 

as docas vazias de Alcântara, pontuam 
de referências conhecidas o cenário
onde encenar de novo uma pertença - 

a trepidação no regresso ao script da origem, 
ao logos de nascença, a razia aos prédios
e a queda implacável no real quotidiano."


Paulo Teixeira, A Comoção do Mundo, Lisboa: Caminho, 2020, pp. 31-32. 

Friday, November 20, 2020

ÂNGULOS

 



"É tão estranho
o que se desenha
e configura no olhar - 

habitamos numa região
de espelhos, uma galeria
redonda de imagens

pessoais, ângulos, poses, 
perfis, factos montados, 
primaveras instruídas, 

revoluções iniciadas, 
às ordens dos robôs, 
terramotos induzidos, 

aviões que desaparecem, 
misteriosamente, aéreas
diversões com o clima. 

O mundo, impassível, 
assiste a dois passos
do cadafalso, ao ronco

das coisas a serem removidas
dos seus lugares. A esfera
confiscada: o resto é nevoeiro."


Paulo Teixeira, a comoção do mundo, Lisboa: Caminho, 2020, p. 77. 

Wednesday, November 18, 2020

TERRÍVEL

 


"Assim era pelos vistos nos tempos longínquos e obscuros, quando havia profetas, quando havia menos ideias e menos palavras, quando era jovem a lei terrível que fazia pagara morte com a morte, quando os animais ainda tinham amizade com o homem e o relâmpago lhe estendia a mão - assim, naqueles tempos longínquos e estranhos, o transgressor ficava exposto às mortes; a abelha picava-o, o touro de cornos aguçados marrava contra ele, a pedra esperava pela hora da sua queda para partir a cabeça descoberta do homem; e a doença rasgava-o à vista de todos, como um chacal rasga uma carcaça; e todas as setas, desviando-se do seu voo, procuravam o seu coração negro e os seus olhos baixos; e os rios mudavam o seu curso, fazendo aluir a areia sob os seus pés, o seu próprio potentado oceano lançava à costa as suas ondas alterosas e, rugindo, enxotava-o para o deserto.Milhares de mortes, milhares de túmulos."

 


Leonid Andréev, "O Governador", in As Trevas e Outros Contos, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Lisboa: Antígona, 2018, p. 170. 

Tuesday, November 17, 2020

A PRESSA

 



"Andamos apressados na colheita dos dias, 
não vá o Sol queimar a pele dos frutos, 
a chuva magoar as novidades, 
o vento derrubar as flores da macieira,.
Temos medo de chegar tarde
ao tempo da fartura.
De fome nos contaram
velhos homens de viagens, 
mulheres jovens dispostas ao amor. 
Vamos cabisbaixos, 
cães com dono e coleira, 
amarrados à cantata da fama, 
à luz do pote de oiro.
Chegaremos ou não 
a colher as virtudes e as glórias.
Assim curvados não veremos
a alegria de uma flor de Inverno. 
Temos pressa.
Outro tempo virá, 
o da flor desmaiada, 
da porta fechada.
Da rua nem se fala, 
que o seu nome perdemos, 
para sempre."


Licínia Quitério, Travessia, Braga: Poética Edições, 2019, p. 30. 

Monday, November 16, 2020

HARPA DE FOLHAS

 




"A harpa de folhas ensaia o festim do Outono. 
Componho o cabelo, 
defendo-me do vento e da frescura. 
Enrosco-me em lembranças da cor do feno
e da fadiga dos homens. 
Demoro-me no deslizar vegetal, 
seguro a ternura nos degraus da escada.
Permaneço na esteira do meu país, 
nos seus estranhos dias
em que o vinho não morre
nem fermenta."


Licínia Quitério, Travessia, Braga: Poética Edições, 2019, p. 24. 

Sunday, November 15, 2020

OS SONHOS

 



"- Que parvo és, Tomé! Com que sonhas tu: com uma árvore, com um muro, com um burro?
Tomé embaraçou-se estranhamente e não objectou. Mas à noite, quando Judas já fechava o seu olho vivo e inquieto, Tomé, no seu leito - os dois dormiam agora lado a lado, em cima do telhado -, disse de repente em voz alta:
- Não tens razão, Judas. Tenho sonhos muito maus. O que achas: o homem também deverá ser responsável pelos seus sonhos?
- Mas não será outro qualquer, e não ele próprio, que sonha os seus sonhos?
Tomé suspirou baixinho e ficou pensativo. Judas, entretanto, sorriu com desprezo, fechou bem o seu olho de ladrão e entregou-se aos seus sonhos agitados, monstruosos, às visões loucas que rasgavam em pedaços o seu crânio coberto de bossas."


Leonid Andréev, "Judas Iscariotes", in As Trevas e Outros Contos, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Lisboa: Antígona, 2018, p. 74. 

Saturday, November 14, 2020

ALIMENTO

 




"Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá pr'ó futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.

Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.

O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.

Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.

Para que me lastimas
se este é o meu auge?
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim. 


Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que fala da porta da torre
que dá para donde vim."


José de Almada Negreiros, Poemas, 3.ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2017, pp. 167-168.

Friday, November 13, 2020

TOPOGRAFIA



"Não existe qualquer produto natural no Purgatório, nem árvores, nem frutos. Tudo é sem cor, mais ou menos sombrio segundo o grau de purificação. Os lugares que servem de estada são dispostos com alguma regularidade, mas não como no «seio de Abraão», espécie de região com uma natureza que é própria; as almas, aqui, possuem já as cores da sua futura auréola."


A Vida de Ana Catarina Emmerich, Lisboa: Paulus Editora, 2013, pp. 285-286. 

Thursday, November 12, 2020

FRESCO (para a memória do Divino G. R. Telles)

 



"Este fresco jardim era teu
Com suas terraças para o mundo.
Eram tuas as cores deste céu
E o pequeno pastor, ao fundo"


Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação, Lisboa: Assírio & Alvim, 2008, p. 154. 

Wednesday, November 11, 2020

GERADORES

 



"Considero o Homem um fazedor de ruídos. 
Os seus ruídos são diferentes dos ruídos cósmicos e dos ruídos da natureza. 
O Homem é emissor natural de sons: a voz (a fala e o canto). Mas também os produz com instrumentos: uma pedra, um ferro, embatendo em qualquer coisa: as formas de fazer música, a máquina... (o ruído-máquina.)
A máquina é útil. Não o seu ruído, e é pior se for exagerado ou pouco moderado. Habitualmente, não se modera, não se controla nem se reprime. Produz, em quem o gera, uma euforia de poder (um poder agressivo?)
Os seres humanos são geradores de sons. São (os outros)."


Antonio Di Benedetto, O Silencieiro, trad. Isabel Pettermann, Amadora: Cavalo de Ferro, 2020, p. 115. 

Tuesday, November 10, 2020

PLÁTANO



"Os dias já andam sozinhos
nem sabem no que se metem
uma simples teia de aranha
ou uma chave falsa
lhes basta
para a fonte que ignoram.
Olham os órgãos da planta
- grande plátano em violeta - 
e transmutam a substância 
em lentes e sal. 
Do infinitamente pequeno
ao infinitamente pequeno
que longa caminhada. 
Depois deles a treva
agita-se ao fundo do retrato
e os personagens acenam-nos
no sentido contrário."


Artur do Cruzeiro Seixas, Obra Poética, vol. I, Vila Nova de Famalicão:Quasi Edições, 2002, p. 191. 

Monday, November 9, 2020

INDECIFRÁVEL (para a memória do Divino Artur do Cruzeiro Seixas)

 



"Queria que esta árvore me olhasse
como eu a olho
secretamente e sem remédio. 

Amo a paisagem
cada vez mais
indecifrável
pássaro que voa nos dois sentidos
com a morte loucamente colorida
por fiel companhia."


Artur do Cruzeiro Seixas, Obra Poética, vol. I, Vila Nova de Famalicão:Quasi Edições, 2002, p. 237. 

Sunday, November 8, 2020

ACREDITAR

 



"Oiço respeitosamente. Depois, eles calam-se e eu, no chão, esperneio. Digo:
- Apelo.
- Apelas a quem?
- A quem possa melhorar o Homem.
- Para que não haja ruído?
- Para que o Homem não se cause danos ao Homem. Nem danos visíveis nem danos invisíveis. 
- E se o fizer sem o saber?... Se ele pensa que está a emitir música e tu recebes ruído?...
- Oh! - Desespero ao ver que estão a usar os secretos argumentos da minha mente. - Nesse caso é preciso acreditar na palavra do Homem. É preciso que baste levantar a mão e dizer «Não incomodes», para que o outro recue ao compreender que para certa pessoa, o seu jasmim é uma lança.
Às vezes distraio-me e penso assim, em forma de diálogo. Só que, como se fossem reais, estes diálogos intensos ferem-me."


Antonio Di Benedetto, O Silencieiro, trad. Isabel Pettermann, Amadora: Cavalo de Ferro, 2020, p. 80. 

Saturday, November 7, 2020

A GRAÇA

 



"Não fechou os olhos. Nos seus ouvidos, ressoava a voz monótona do enfermeiro. Onde é que a teria ouvido?
- O Mal não existe para o malvado. Pois para esse nada há. O Mal existe para o temente a Deus. Apenas o temente a Deus o pode suportar e é aí que reside a Sua graça. O temente a Deus não se desvia quando o Mal se lhe atravessa no caminho, antes pelo contrário, quando se cruza com o Mal, acolhe-o. Pois é o que tem de fazer até ao fim e até ao fim tem de sofrer."


Hermann Ungar, Os Mutilados, trad. Vanda Gomes, 2,ª ed., Silveira: Livro B/ Letras Errantes, 2020, p. 170. 

Friday, November 6, 2020

CONSOLO

 



" - Então vou ter de me apressar, caro Sonntag. Pois já não vai faltar muito. De qualquer maneira, há que dizê-lo. Deus não me está a atrair pelos meios mais simpáticos, nisso vai ter de concordar comigo, Senhor Sonntag. 
- O sofrimento não é um castigo, Senhor Fanta. Não há sequer castigo, apenas ao ímpio é que parece um castigo. Não há qualquer outro consolo, tanto fazemos o bem como fazemos o mal e o que for temos de aceitar. O crente em Deus aceita-o de bom grado e com alegria, o ímpio com lamúrias."


Hermann Ungar, Os Mutilados, trad. Vanda Gomes, 2,ª ed., Silveira: Livro B/ Letras Errantes, 2020, p. 132. 

Thursday, November 5, 2020

SEREMOS

 



"Nascer
vir a este mundo
é acordar legível do sono eterno.
Maravilhoso (e é) que seja acordar
traz mistura pessoal:
preferia não ter nascido.
Fazemos parte de animal perpétuo
que exige o nosso serviço dele.
Mas um é passageiro
tem que inventar optimismo e graça
e permanecer acordado o animal perpétuo.
Nascemos órgão e seremos, afinal, o todo do organismo. 
Personalidade não é senão o ímpeto para nos deixarmos de nascidos intactos
é condição primeira do ser vivo eterno que somos. 
Nasce-se segunda vez o ser vivo eterno que somos
Iremos por onde não há adesão possível à segunda vida
porta do eterno.
Depois é o silêncio que fala
a paz que nos esperava."


José de Almada Negreiros, Poemas, 3.ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2017, p. 175. 

Tuesday, November 3, 2020

MEDITAÇÃO

 



"os devoradores de cultura podem sair pela esquerda alta
fiquem os amantes obscuros        e o único       os raros
todos os nus
porque a língua portuguesa não é a minha pátria
a minha pátria não se escreve com as letras da palavra pátria"


António José Forte, Uma Faca nos Dentes e Outros Textos, Lisboa: Antígona, 2017, p. 98. 

Monday, November 2, 2020

O ABISMO

 



" «Ah!, ressuscita-ma,» exclamou Walter, arremessando-se aos pés do feiticeiro. «Oh!, se na verdade és capaz de realizar isso, satisfaz a minha ardente súplica; se algum resquício de sentimento humano lateja no teu peito, deixa que as minhas lágrimas te persuadam: ressuscita a minha amada para mim; e sempre abençoarás o teu acto, e verás que foi uma boa obra.»
«Uma boa obra! Um acto abençoado!» - retorquiu o feiticeiro, com um sorriso de escárnio; «para mim não existe bem nem mal, pois o meu desejo é sempre o mesmo. Só vocês conhecem o mal, vocês que desejam aquilo que não deviam desejar. É verdade que tenho poderes para ressuscitá-la para ti; contudo, reflecte bem se isso resultará na tua felicidade. Pondera também quão profundo é o abismo entre a vida e a morte; sobre ele, o meu poder pode construir uma ponte, mas nunca será capaz de preencher o precipício assustador.»"


Johann Ludwig Tieck, "Não Acordes os Mortos", in Histórias de Vampiros, trad. Margarida Periquito, Lisboa: Relógio D' Água, 2008, pp. 53-54. 

Sunday, November 1, 2020

TODOS OS SANTOS

 



"E vós, tendo ouvido dizer que nós esperamos um reino, supusestes, sem refletir, que nos referíamos a um reino humano, quando, na verdade, se trata do reino junto de Deus, como mostra o facto de que, quando interrogados por vós, confessarmos ser cristãos, cientes como estamos de quem confessa incorre na pena de morte. 

Efetivamente, se esperássemos por um reino humano, renegaríamos para evitar a morte e tentaríamos esconder-nos, a fim de alcançar o nosso objetivo. Mas uma vez que não colocamos as nossas esperanças no tempo presente, não nos inquietamos com ter que morrer, dado que, de qualquer modo, havemos de morrer."


Justino, Em Defesa dos Cristãos, I, XI, 1-2, trad. Isidro Pereira Lamelas, Lisboa: Paulus Editora, p. 66.