Monday, August 31, 2015

REDE



" - Dá tempo ao tempo, Henry. - disse Du Maurier.
- Tempo é o que eu acho que já não tenho. Cada vez tenho maior dificuldade em imaginar enredos. 
- A sério? Pois a minha cabeça está cheia de enredos! Só queria ter o teu talento com as palavras para os contar.
- Bem, se tiveres algum a mais...- gracejou Henry."


David Lodge, Autor, Autor, trad. Ana Maria Chaves, Porto: Ed. Asa, 2005, p. 116. 

Sunday, August 30, 2015

TEMPO LONGO


"É na verdade um tempo longo; e a duração do tempo, que se pode sobressair, é aquela de que o espírito precisa para elaborar para si a filosofia."

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Introdução à História da Filosofia, trad. Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 1991, p. 53. 

CAUTION



"Meus irmãos! Meus irmãos!... amai a toda a hora
a branca, a preta, a loura, e a das tranças de amora!
Amai sem ter remorso, a torta, a coxa, a freira, 
amai a Imperatriz... amai a lavadeira.
O amor livre nasceu quando nasceu Adão. 
Provou-o a Mamã Eva e o nosso Avô Abraão!"


Gomes Leal, O Anti-Cristo, 3ª ed., Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, s.d., p. 41. 

Friday, August 28, 2015

DESTINOS


" - Se a finada tivesse viva ia gostar desta viagem... tenho vontade de conhecer um navio...
Falava sobre Dinah e então recordaram os mortos e os distantes, Gertrudes e Agostinho, Noca e Dinah, os três rapazes que haviam ido embora, Zefa que virara santa, e também o jumento Jeremias que se envenenara e a gata Marisca que eles tinham comido."

Jorge Amado, Seara Vermelha, 10ª ed., São Paulo: Livraria Martins Editora, 1963, p. 139. 

Thursday, August 27, 2015

ERVA PROFANA



"Tudo era solidão!... ruína!... erva profana!
num cenário solene, às horas do poente."


Gomes Leal, O Anti-Cristo, 3ª ed., Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, s.d., p. 33. 

Wednesday, August 26, 2015

CONFUSÃO


"Na opinião de Morris Zapp, a fonte de todos os erros da crítica era uma confusão ingénua entre a literatura e a vida. A vida era transparente, a literatura opaca. A vida era um sistema aberto e a literatura um sistema fechado. A vida era composta de coisas, a literatura de palavras. A vida era o que parecia: se tivéssemos medo de que o nosso avião caísse, o problema era a morte; se tentássemos levar uma rapariga para a cama, o problema era o sexo. A literatura nunca era o que parecia, embora, no caso do romance, fossem necessários um engenho e uma percepção consideráveis para decifrar o código da ilusão realista, e fora essa a razão da sua atracção profissional pelo género (até o crítico mais burro compreendia que a questão no Hamlet não era como é que o tipo podia matar o tio, ou no Ancient Mariner a crueldade para com os animais, mas era surpreendente o número dos que pensavam que os romances de Jane Austen constituíam uma busca do Homem Ideal)."

David Lodge, A Troca, trad. Helena Cardoso, 6ª ed., Porto: Asa, 2007, pp. 39-40. 

Tuesday, August 25, 2015

FORMAS



"Mil formas tomarás como as nuvens aéreas, 
ou como, na penumbra, as sombras erradias. 
Baixinho falarás de lutos, de misérias, 
de exílios, de paixões, musgosas abadias.
Baixinho falarás de coisas graves, sérias,
ao náufrago no mar, boiando às ventanias."


Gomes Leal, O Anti-Cristo, 3ª ed., Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, s.d., p. 17. 

IDEIA


"Pelo que a Ideia é o centro, que é ao mesmo tempo a periferia, a fonte luminosa, que em todas as suas expansões não vai para fora de si, mas em si permanece presente e imanente; portanto, ela é o sistema da necessidade e da sua própria necessidade, que é assim igualmente a sua liberdade."

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Introdução à História da Filosofia, trad. Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 1991, p. 32. 

Monday, August 24, 2015

DOS CÉUS



"Quando as chuvas dos Céus e do Mar que tem mil braços
florestas de corais, Medusas e Delfins, 
penetram dos Reis nas torres e nos paços
acharam-nos a rir nos seus altos terraços, 
fazendo um brinde ao Nada, em seus torpes festins.
- As Virgens liriais dos demónios nos braços.
- As filhas de Kain beijando os Serafins. 

Terraços e ais de amor tudo varreu a espuma. 
Ninguém pronunciou Deus - Nenhuma voz. Nenhuma."


Gomes Leal, O Anti-Cristo, 3ª ed., Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, s.d., p. 16. 

Saturday, August 22, 2015

ESTREITO


"Acaso será mais estreito, o meu horizonte, do que o das outras pessoas? Disse que me falta o sentido dos factos - acaso terei esse sentido em demasia? Desisto cedo de mais? Acabo depressa de mais? Será que conheço a felicidade e a dor apenas nos graus mais baixos, apenas no estado rarefeito?"



Thomas Mann, "Desilusão" in Contos, trad. Maria Lin de Sousa Moniz, Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 13. 

O ANSEIO



"Aprendeu a perceber que tudo é digno de ser apreciado  e que é quase insensato distinguir as experiências felizes das infelizes. Acolhia de bom grado todas as suas sensações e disposições e acalentava-as, tanto as sombrias como as divertidas: até mesmo os desejos não satisfeitos - o anseio."


Thomas Mann, "o Pequeno Senhor Friedemann" in Contos, trad. Maria Lin de Sousa Moniz, Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 21. 

Wednesday, August 19, 2015

O VERDADEIRO LUTO


"Dever-se-ia dizer infelizmente, ou antes por sorte? O facto é que os nossos lutos não são eternos. Falo dos nossos lutos mais profundos, dos lutos cuja origem se confunde com a nossa própria vida, daqueles que nos identificamos com o bemm-amado desaparecido ao ponto de ele, para nós, não ter desaparecido, de querermos consagrar um culto religioso à sua imagem para o resto da nossa vida, até ao momento em que a barreira que para ele caiu também caia para nós. Sem dúvida, há seres tão bons que permanecem, de facto, ministros fiéis  de um culto assim, mas esse culto, ele próprio, deixou de ser o primeiro, o verdadeiro luto. Outras imagens, estranhas imagens se misturaram. Experimentamos, na nossa dor, a fugacidade de todas as coisas deste mundo, por isso sou forçado a concluir: infelizmente, os nossos lutos não são eternos."

La Motte-Fouqué, Ondina, trad. Manuela Gomes, Lisboa: Antígona, 2011, p. 173. 

CERRAÇÃO



"A Vida é para nós contínuo sofrimento;
Uma hora de prazer em anos de tormento;
Um raio de luar, bruxuleando a medo
Por entre a cerração noturna do arvoredo.
Em gigantesca treva um átomo de luz!"


Abel Botelho, Lira Insubmissa, Porto: Lello Editores, 2006, p. 123. 

Friday, August 14, 2015

DESAPEGO


"Or, que le détachement oblige Dieu à venir à moi, je le prouve ainsi: tout être se tient volontiers dans le lieu naturel qui este lui propre. Le lieu naturel de Dieu qui lui est propre par excellence est l'unité et la pureté our celles-ci reposent sur le détachement." 

Mestre Eckart, "Du Détachement", trad. Paul Petit, Paris: Gallimard, 2013, p. 12. 

Wednesday, August 12, 2015

HARMONIA


"- A alma! - respondeu-lhe Ondina com um sorriso. - Como soa bem! E quem sabe se para a maioria das pessoas não será uma regra muito edificante e útil. Mas para quem não tem alma nenhuma, pergunto-vos: que é que deve permanecer em harmonia? Comigo é o mesmo". 

La Motte-Fouqué, Ondina, trad. Manuela Gomes, Lisboa: Antígona, 2011, p. 108. 

Tuesday, August 11, 2015

TRAKAI



"Terra e água eram visitas recíprocas, e daí a tão grande beleza de cada uma."


La Motte-Fouqué, Ondina, trad. Manuela Gomes, Lisboa: Antígona, 2011, p. 59.

Friday, August 7, 2015

OUT



"Durante a conversa, o forasteiro já ouvira por várias vezes um chapinhar, vindo da janelita baixa, como se alguém atirasse água contra os vidros. Sempre que ouvia barulho, o velho franzia o sobrolho, descontente. Quando por fim um jacto jorrou contra os vidros e, através da moldura em mau estado, esparrinhou o compartimento, o pescador levantou-se, indignado, e de frente para a janela exclamou em tom ameaçador:
- Ondina, Ondina! Vais ou não pôr fim a essas criancices de uma vez por todas? E logo hoje, que acolhemos um ilustre forasteiro na nossa cabana."

La Motte-Fouqué, Ondina, trad. Manuela Gomes, Lisboa: Antígona, 2011, p. 63. 

Thursday, August 6, 2015

MOVIMENTO




"Penso na repetição
que se verifica no movimento das marés
e das luas. Existem
ciclos, como círculos, que
são previsíveis e perfeitos. Mas, 
apesar disso, têm
um mistério que nem os iniciados
resolvem. Por que terá tudo de ser
assim, desde a origem até ao
fim dos tempos? Não me respondes; nem
eu esperava que tivesses a resposta, 
enquanto me enchias um copo, 
de acordo com a lei da gravidade."


Nuno Júdice, Meditação Sobre Ruínas, 3ª ed., Lisboa; Quetzal, 1999, p. 86. 

Wednesday, August 5, 2015

LAMPADÁRIO (em memória de Ana Hatherly)



"E com nunca jámais ouvida sorte, 
Com ventura em cristal nunca mais vista, 
os votos aqui deixo, as velas tomo, 
Desejo, que assim como
Do mesmo Par tão fino quanto amado, 
De quem já sois prenda mais benquista, 
Lograis a vista, mereceis o agrado, 
O agrado mereçais, logreis a vista:
Oh mil vezes cristal afortunado, 
Alpe luzido, luminar nevado!"


Frei Jerónimo Baía, Lampadário de Cristal, ed. de Ana Hatherly, Lisboa: Editorial Comunicação, 1991, vrs. 1270-1275, p. 84. 

Tuesday, August 4, 2015

ONDE



"De tal modo que muitas vezes se perguntava se os pensamentos bastavam, se não eram um simples tactear, se a verdadeira vista não estava noutro lado, e se ainda não havia no cérebro do homem nervos inutilizados que o levariam um dia para lugares de visibilidade ilimitada". 

Romain Gary, As Raízes do Céu, trad. João B. Viegas, Lisboa: Círculo de Leitores, 1973, p. 52. 

Monday, August 3, 2015

DESÍGNIO



"Foi certamente pelos desígnios do Destino, pelas resoluções dos deuses e pelos decretos da Necessidade, que ela fez o que fez, quer tenha sido levada à força, convencida pelos discursos, ou arrebatada pelo Amor. Ora se foi pelo primeiro motivo, é o responsável quem deve ser chamado à responsabilidade. Na verdade, não é possível à previdência humana impedir um desejo divino. É da natureza das coisas não ser o mais forte detido pelo mais fraco, mas sim o mais fraco ser comandado e conduzido pelo mais forte. O mais forte comanda e o mais fraco vai atrás. A divindade é mais poderosa que o homem, tanto na força como na sabedoria e em tudo o mais. Se se trata, pois, de virar a acusação contra o Destino e a divindade, liberte-se então Helena da infâmia."

Górgias, "Elogio de Helena", 6, in Testemunhos e Fragmentos, trad. Manuel Barbosa e Inês Ornellas e Castro, Lisboa: Edições Colibri, 1993, p. 42. 

Sunday, August 2, 2015

DIALÉTICA



"Sócrates - A minha percepção é verdade para mim - pois é sempre parte da minha natureza - e eu sou o juiz, segundo Protágoras, das coisas que são para mim, enquanto são, e das que não são, enquanto não são."


Platão, Teeteto, 160c, trad. Adriana Nogueira e Marcelo Boeri, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 222. 

Saturday, August 1, 2015

OCTAVA PORTA


"Descer uma rua numa noite de Agosto
e por momentos nada ouvir senão
uma voz na cabeça que faz e repete
o poema mais desnecessário;

ver por toda a parte os sinais
perdidos e as cicatrizes de um fortuito
trânsito: alguém insiste em abrir 
ao perigo a porta do número 133, 
enquanto os rapazes do café vizinho
fumam sob o toldo à hora do fecho
e invadem o verso com uma frase 
avulsa: coitado, morreu-lhe a filha;

tomar à esquina um táxi onde espera
um homem sem rosto, seguir 
essa estrada - para um recomeço 
ou uma despedida? - e entender
de súbito que tudo é por acaso, 
não ter a ilusão de outra certeza."


Rui Pires Cabral, "Capitais da Solidão", in Morada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 247.