Sunday, May 31, 2015

OBJECTOS VULGARES



" - Mas porquê? - disse eu. - X..., quaisquer que sejam as suas singularidades, continua a ser humano e o conhecimento do mundo implica o conhecimento da natureza humana com todas as suas variantes. 
- Sim, mas um conhecimento superficial, em função de objectos vulgares. Para algo de mais profundo, não tenho a certeza de que o conhecimento do mundo e o conhecimento do homem não sejam dois ramos distintos do conhecimento, que, apesar de poderem coexistir no mesmo coração, podem não estabelecer relações entre si. porém, no homem comum, a sua luta constante com o mundo, embota-lhe a lucidez espiritual indispensável para o conhecimento do que há de essencial em certas personalidades excepcionais, sejam elas boas ou más."


Herman Melville, Billy Budd, trad. José Estêvão Sasportes, Lisboa: Livros do Brasil, s.d., p. 65. 

Saturday, May 30, 2015

OS RELÓGIOS DO DR. MABUSE



"Voltou a tomar cocaína?
Um dia
hei-de tomar um quilo de platina
quando sigo o teu caminho. 
Compro! Vendo!
O meu clube
cabeça de jovem milionário
alguns milhões entrando o Avenida
Palace.

Boa-noite Senhor Hull!
Sem dinheiro sem crisântemos a
juventude pouco vale.
O ás de ouros
traz as datas de fevereiro
pétalas de alegria. 
Porque não jogas?

O espelho leva a outro espelho.
Fiquemo-nos por aqui
pelas horas da vida

levando a senha noite fora «Mirabeau»
«Diderot» «Rousseau» essa gente. 
Os espíritos surgem
são o destino dos homens e 
a traição o jogo do lugar. 

A vontade. Os relógios. 
Um jardim de outras aves. 
O relógio entre fumos e irmãos de arte
é o corpo a meio da cidade. 
Não há capicua para esta sorte. 

A morte resolve ainda menos. 
O teu rosto
ao próprio rosto
ao espelho do teu rosto eu quero dar. 
Era uma noite."


João Miguel Fernandes Jorge, "Actus Tragicus", in Obra Poética, vol. 4, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1991, p. 96. 

Thursday, May 28, 2015

DEZANOVE ANOS



"Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar 
Oferecendo a flor
Que adiámos colher. 

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita. 

Mais tarde será tarde e já é tarde. 
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa. 

Não creias na demora em que te medes. 
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo."


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Lisboa: Editorial Caminho, 2004, p. 27. 

Tuesday, May 26, 2015

PERSONALIDADE



"Indo aparentemente corroborar a doutrina da queda do homem (hoje caída no esquecimento), constataremos que quando se nota que determinadas virtudes primeiras caracterizam uma pessoa exteriormente dourada pela civilização e vamos analisar a sua origem, nos apercebemos que essas virtudes não foram adquiridas pela força dos hábitos e das convenções - são-lhes até estranhas - e parecem ter sido herdadas de uma época anterior à cidade de Caim e ao homem citadino. A personalidade marcada por essas qualidades tem, para um paladar não viciado, um sabor puro, como o gosto inconfundível dos frutos selvagens; enquanto que o homem inteiramente civilizado, mesmo num bom exemplar da raça, tem para a mesma sensibilidade moral o sabor equívoco de um vinho falsificado."


Herman Melville, Billy Budd, trad. José Estêvão Sasportes, Lisboa: Livros do Brasil, s.d., p. 32. 

Monday, May 25, 2015

AD AGROS



"Não tardes, flor; a aldeia nos espera, 
Chovem aromas dos folhudos ramos:
Suspensa do meu braço, eia! partamos!
Olha-nos Deus da cristalina esfera. 

Nas manhãs da passada primavera
Com que delícia etérea nos amámos!
Iremos ver os nomes que traçámos
No rude tronco em que se enlaça a hera.

Não tardes, meu amor, sei de um caminho, 
Que sobe a encosta, e vai direito ao moinho, 
Em cujas velas bate o vento em cheio...

Seguir-nos-ão as aves namoradas, 
Que ao som das tuas infantis risadas
Modularão seu trémulo gorgeio..."


Gonçalves Crespo, Nocturnos, in Obras Completas, 6ª ed., Lisboa: Empresa Literária Fluminense, 1922, pp. 15-16. 

Sunday, May 24, 2015

PAISAGEM MUDA




"Como te anunciei a noite. Quantas vezes. 
Quantas vezes repousei sob a funda obscuridade 
do teu sono apenas percebendo uma ou outra pequena voz. 
Pela noite procuro o teu terreno hoje
esse mínimo espaço deus estas naves estão desertas
tudo é estranho para o que vive. Sob a noite 
encerro o segredo destes ritos
desfazendo este meu corpo paisagem 
alimentando um brilho antigo
cabelo que conheci. Digo nada há que valha esta hora
pouco a pouco renuncio ao sol
em favor da água dos teus olhos. 

É preciso esperar tanto. Esta morte faz-se lenta 
mente não tenho fome nem sede nem desejo 
apenas por outro caminho regresso. 
São nossas estas naves
o pequeno galgo que repousa
foi o que nasceu do frio que nós aprendemos. 

Esta noite perdi-me nos teus dedos
repeti os teus passos caminhando não
tão depressa quanto queria. 

Vê a paisagem muda. Não descubro sequer 
o desespero
e quantas vezes digo não tenho aqui ninguém
apenas esta nave sem dúvida a mais bela
para te mostrar.

Aparentemente nada mudou mas na verdade tudo mudou. 
Um vento passa sobre mim o risco
das aves sobre o mar
estas pedras colocadas estes arcos cobertos pelos limos
a tua ausência de pedra desenhada
caminhando para mim. 

Não me recordo mais
varreu-se-me a memória do teu rosto sob a pressão das mãos
e no entanto quantas vezes digo
tu não suportas alteração. 

É tarde. A lua vai morrer. Deixo-me dormir."


João Miguel Fernandes Jorge, "Crónica", in Obra Poética, vol. 4, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1991, pp. 28-29. 

Friday, May 22, 2015

ENCONTRO



"Mal se viu em condições de reflectir, esta alteração nas suas respectivas posições sobressaltou-a; aquele que fora a sua perda encontrava-se, agora, do lado do Espírito divino, mas ela não estava regenerada e, tal como na lenda, a imagem pagã da sua beleza havia subitamente aparecido no altar e a chama sagrada quase se extinguira."

Thomas Hardy, Tess dos Urbervilles, trad. Maria Emília Ferros Moura, Lisboa: Círculo de Leitores, 1984, p. 276. 

Thursday, May 21, 2015

CATACLISMO

(Albi, Catedral de Santa Cecília) 

"O velho sábio, senhor Lagrange, assegurou:
- Tranquilizai-vos, Madame; não será tão cedo que virá um cometa chocar com a Terra. Tais encontros são extremamente pouco prováveis!
Madame Martin respondeu-lhes que não via inconveniente sério em que a Terra e a Humanidade fossem imediatamente aniquiladas. 
O Senhor Lagrande protestou com uma sinceridade profunda. Importava-lhe grandemente que o cataclismo fosse protelado."


Anatole France, O Lírio Vermelho, trad. Felisbela Godinho Carneiro, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 73. 

Wednesday, May 20, 2015

DESAPARECIMENTO



"Estamos em fuga tomados feridos vendidos como escravos
no entanto coloco diante de mim os vasos sagrados
as colunas do santuário a santa mesa e permanecerei vivo
sou um bispo casado mas um ministro de deus 
por ele a minha vida
por ele nem a memória da data da minha morte
quando desaparecer sob ruínas sob ruínas."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 36. 

Tuesday, May 19, 2015

QUEDAS



"Não nos voltaremos a ver porque prisioneiro
das muralhas já só sei espiar os sinais do fogo
e rondar com o meu cavalo toda a surpresa do bárbaro
na máquina que fabrico a guerra continua as praças
foram tomadas pela fome pela fadiga eu que passava
as noites sem sono a espiar o curso dos astros 
durmo apenas breves momentos medidos pelo som
da clepsidra (deu-ma Hypatia mesmo no inferno lembrarei 
Hypatia). Caiu o culto velho caiu o culto novo."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, pp. 35-36. 

CÉLEBRE ENTRE



"Divido o meu tempo entre o estudo e o prazer
porque não passarei de novo o mar até Atenas?
E fizeram-me de facto hoje bispo. Não nos voltaremos a ver. 

Quem corre hoje na arena é feliz por certo
e quem estica o arco para lançar a flecha e
o que deixa tombar sobre as espáduas longa
cabeleira por certo bem feliz será o que é
célebre entre os rapazes entre as raparigas
pela beleza do seu rosto. Quanto a mim escuto hoje apenas
a fé de Niceia."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 35. 

Monday, May 18, 2015

PERMANECENDO



"Sem perigo nos plainos da Líbia festas e prazeres
o estudo da ciência a caça um ou outro poema
entre os gregos a memória de algum Hypatia
sobre todos gregos e egípcios Hypatia a quem chamo mãe
irmã amiga da longe Alexandria auxílio
na construção de quadros astronómicos escritos
sob o céu luminoso pelas noites de Cyrene. 
Nos plainos da Líbia só se ouve o eco testemunho
da minha voz dividida pelos platónicos de Atenas
de Alexandria
adoptando a essência divina dos cristãos. 
Assim vou permanecendo eu Synésius sábio rico feliz
admirado quase bispo de Ptolemaïs."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, pp. 34-35. 

Sunday, May 17, 2015

ENVOY




"Cyrene envia-me. Aqui estou  Arcadius  para deixar na tua fronte
uma coroa de ouro para deixar no teu coração o sinal da filosofia. 
Cyrene cidade grega venerada célebre mil vezes
no canto de antigos sábios Cyrene grande ruína. 
Arcadius a tua vontade imperador 
fará meu país digno da sua antiguidade
a palavra espera o país livre. Quando?
Que coisa nos aguarda senão correr para 
ruína? Eu queria o exército só composto 
por romanos. O legislador não deve dar armas
senão aos que se alimentam na prática das suas leis
o mais imprudência. Quero dizer-me guerreiro
animado pela filosofia invoco aqui um deus supremo
mostrando-te Arcadius
a filosofia associada ao império. 
Porque da solidão não nos voltaremos a ver."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 34. 

Saturday, May 16, 2015

O CORPO



"também na calma tem o seu lugar. E como é difícil este 
século o quarto, 
o corpo habita ainda um ponto do mundo e ninguém 
comanda já o silêncio ou melhor o progresso (do
cosmos ou dos godos?).
Não nos voltaremos a ver porque da solidão nada sei."


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 34. 

Friday, May 15, 2015

NO SÉCULO IV




"Nada sei da solidão. Hypatia de Alexandria
eloquente e creio que bela apenas me ensinou
as virtudes geométricas teoremas axiomas alguns
severa como era das verdades do paganismo.
Depois Atenas. Onde a sabedoria?
Os que navegam sob o vento favorável 
os que batidos pela tempestade onde para eles
as doutrinas dos que ensinaram 
em Atenas não a elegância do discurso 
mas a filosofia na força do pensado
na virtude da obra no exemplo do vivido. Onde?
Que possa acreditar? 
Estarei morto?
Ou será o exílio?
O inverno e o verão têm o mesmo fim: a fertilidade da terra.
A coragem do navegante não existe só na tempestade"


João Miguel Fernandes Jorge, "Turvos dizeres", in Obra Poética, vol. 2, 2ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 33. 

Thursday, May 14, 2015

OS DIAS




"Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos. 

É bela a vida e os anos são formosos, 
E nunca ao peito amante o amor falece...
Mas, se a beleza aqui nos aparece, 
Logo outra lembra de mais puros gozos. 

Minh'alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza, 
É pela eterna pátria que suspira...

Porém do pressentir dá-me a certeza, 
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira, 
Eu sempre bem-direi esta tristeza!"


Antero de Quental, Sonetos Completos, Porto: Lello & Irmão, 1983, p. 72. 

Tuesday, May 12, 2015

BOAS VINDAS A MATILDE DA COSTA



"duermes com la manita abierta
como si quisieses coger al vuelo
los pájaros verdecidos
en las ramas de mi sueño"


Luis María Marina, Nueve Poemas a Sofía, s.l.: Olifante. Ediciones de Poesía, 2014, p. 30. 

PILHAR



"Velhas, homens. crianças, atravessavam as portas como uma rajada, saltavam pelas janelas, por cima dos valados, deixavam-se cair no terraço, cada um levando o que pudera pilhar: sertãs, panelas, colchões, coelhos... Alguns tinham tirado as portas e as janelas dos gonzos e carregavam-nas às costas. Até o próprio Mimintho levava os escarpins da morta, suspensos do pescoço por um cordel; dir-se-ia que Dona Hortênsia ia às cavalitas sobre os seus ombros, deixando ver somente os seus sapatos...
O professor franziu o sobrolho, repôs o tinteiro no cinto, dobrou a folha de papel imaculada, sem dizer palavra, e, com um ar de dignidade ofendida, atravessou a soleira e desapareceu. 
O pobre tio Anagnosti gritava, suplicava, brandia o cajado:
- É uma vergonha, é uma vergonha! A morte está a ver-vos!"


Nikos Kazantzaki, Zorba, o Grego, trad. Fernando Soares, Lisboa: Ulisseia, s.d., p. 266. 

Sunday, May 10, 2015

GRANDEZA



" - À noite, a tristeza das igrejas comove-me. Sinto nelas a grandeza do nada. 
Ele respondeu-lhe:
- Contudo devemos crer em qualquer coisa. Se Deus não existisse, se a nossa alma não fosse imortal, seria muito triste. 
Ela quedou-se imóvel, durante algum tempo, sob os farrapos de sombra que pendiam da abóbada. Depois, disse:
- Meu pobre amigo, nós não sabemos o que fazer desta vida tão curta, e vós desejais outra que não acabe nunca!"


Anatole France, O Lírio Vermelho, trad. Felisbela Godinho Carneiro, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 31. 

Saturday, May 9, 2015

ECONOMIA E FINANÇAS




" Thérèse ergueu os ombros, sorrindo:
- Desperdiçais a vossa maldade. Sois uma esbanjadora.
- E quereis, minha querida, que eu economize a minha bondade e a minha maldade com vista a um investimento sério?"


Anatole France, O Lírio Vermelho, trad. Felisbela Godinho Carneiro, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 7. 

Friday, May 8, 2015

E SOBRETUDO




"É onde se não vai directamente e no entanto o espaço vence
Muitos dos gestos para já não dizem nada
e sobretudo há o silêncio e há mãos para tudo
o que sobeja. Eu ia à minha vida
e entro e não sei da minha vida
Eu tinha gente à espera, assuntos sítios onde ir
e um amigo cresce cresce. E saio para a rua
e depressa - ai de mim - há fim em quanto faço
Já fui uma criança e quase sempre esqueço"


Ruy Belo, Boca Bilingue, 4ª ed, Lisboa: Presença, 1997, p. 54. 

Thursday, May 7, 2015

NOVA BERGSONIANA



"Enfim, para dizer tudo, nós não vemos as coisas em si: limitamo-nos, a maior parte das vezes, a ler etiquetas nelas coladas."

Henri Bergson, O Riso, trad. Guilherme de Castilho, 2ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1993, p. 109. 

Tuesday, May 5, 2015

CONHECIMENTO



"«Oh, Sol, e tu, Lua... Oh, Estrelas, Verdura sobre a Terra... Aves do céu... Animais Selvagens e Domésticos... Filhos dos Homens! Abençoai o Senhor, louvai-O e glorificai-O para sempre.»
Parou subitamente e murmurou:
- Mas talvez eu ainda não conheça bem o Senhor!"


Thomas Hardy, Tess dos Urbervilles, trad. Maria Emília Ferros Moura, Lisboa: Círculo de Leitores, 1984, p. 103. 

Monday, May 4, 2015

A QUEDA



"E eu que sou o rei de toda esta incoerência, 
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E gira até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência."


Mário de Sá-Carneiro, Poesia, Lisboa: Círculo de Leitores, 1990, p. 131. 

PROLONGAR



"Só uma pessoa desejaria que a viagem se prolongasse indefinidamente, que a corveta não chegasse nunca mais, que o mar se alargasse de repente submergindo ilhas e continentes numa cheia tremenda, e a velha nau, só ela, como uma coisa fantástica sobrevivesse ao cataclismo, ela somente, grandiosa e indestrutível ficasse flutuando, flutuando por toda a eternidade."

Adolfo Caminha, Bom Crioulo, Lisboa: Sistema Solar, 2014, p. 41. 

QUINTA PORTA



"O sonho de muros ruinosos persegue-me. 
São as saídas da noite, o vento rodeia e isola. 

As muralhas abandonadas fortificam o pendor da 
encosta. Sobre o caminho de ronda são as cegonhas

vigia. Os ninhos de ramalhos entrecruzados
interrompem o céu, cortam as nuvens. 

Da cesta escura mostram as hastes delgadas das
pernas vermelhas, os papos brancos, os bicos

longos. Os grossos torreões circulares imobilizam
o sonho, erguem o voo, batem as asas, 

planam, curveteiam, tombam sobre o recordado mar
das nossas lágrimas
o sono de muros desolados."


João Miguel Fernandes Jorge, A Jornada de Cristóvão de Távora Primeira Parte, Lisboa: Editorial Presença, 1986, p. 20.