"Digo imagem mas entenda-se que a quem não a vê não parece pintada e sim deveras viva: às vezes, até vem falando com a alma e chega a revelar-lhe grandes segredo; mas também haveis de entender que, embora nisto leve algum tempo, a alma não pode olhá-la mais detidamente do que nós por cá para o sol, pelo que nunca a vemos mais do que uns instantes; não é que o seu brilho ofenda, como o sol, os olhos interiores que a vêem (se forem os do corpo nada saberei dizer, porque a dita pessoa, da qual tão intimamente posso falar, nunca teve visões corpóreas e do que se não conhece por experiência não se consegue dar conta com exactidão) pois é como que luz infusa ou sol coberto de finíssimo véu- dir-se-ia de diamante, se pudéssemos tecê-lo - e de holanda parece vir vestido; quando Deus lhe faz esta mercê, a alma fica quase sempre em êxtase, porque a sua baixeza não consegue suportar tão aterradora visão. Digo aterradora, porque, sendo a mais formosa e deleitosa que alguém poderia jamais imaginar (mesmo que vivesse mil anos a forcejar por figurá-la, pois está muito para além de quanto nos cabe na imaginação e no entendimento) a sua presença é de uma majestade tão portentosa que a alma fica presa de pavor."
Santa Teresa de Ávila, "Moradas Sextas", cap. IX, in Moradas do Castelo Interior, trad. Manuel de Lucena, Lisboa: Assírio & Alvim, 1988, p. 153.