"O conselheiro interrompeu-o.
- Sabe a coragem mais admirável? a de que menos exemplos existem? É aquela de que nos dá uma eloquente mostra a história do aldeão do Danúbio. Sair um homem de um canto retirado da província, um pouco montanhês, e, escudado só da sua boa fé, achar-se de repente no meio de um círculo luzido, ilustrado, elegante, novo para ele, e ousar repetir só aquelas falas rudes que tanto deliciavam o auditório da sua terra; ver o sorriso nos homens, que a seu pesar respeita, e poder ressalvar as suas crenças daqueles sorrisos; sentir o ridículo a seu lado, e ousar fitá-lo; ferirem-lhe os ouvidos, a cada passo, as vozes sedutoras da moral elegante e fácil que hoje domina, e conservar-se fiel à austera e rude moral que lhe falava entre o rumorejar das folhas da sua aldeia nas longas horas de vigília e de estudo, que lá teve; cair embora, mas cair fiel à consciência, como um leal cavaleiro da Idade Média caía pela dama de quem trazia a divisa; é uma espécie de luta, para que não abundam lidadores. E nem sempre se deve lançar o labéu de traidores aos que mentem à sua antiga profissão de fé. A maioria cede com boas intenções. O perigo está em chegar a persuadir-se de que as suas convicções eram sonhos, em perder o amor às utopias. Eu confesso que só quando aqui estou é que sinto avivar, debilmente, o amor que noutro tempo lhes tive."
Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto: Livraria Simões Lopes, 1948, pp. 221-222.