"Ainda que fosse possível determinar o valor de certo dote em determinado momento, esses valores mudarão; e dentro de um século, é muito possível que se tenham alterado completamente. «- Daqui a cem anos, as mulheres terão deixado de ser o sexo fraco», pensei, no momento em que chegava à porta de casa. Participarão, logicamente, em todas as actividades e exercícios que outrora lhes foram negados. A ama carregará o carvão. A lojista andará de carro. Todas as noções baseadas nos factos, observados quando as mulheres eram o sexo fraco, terão desaparecido - como, por exemplo (nesta altura um destacamento de soldados marchava pela rua), o de que as mulheres dos pastores de igreja e dos jardineiros vivem mais tempo. Eliminem essa protecção, exponham-nas aos mesmos exercícios e actividades, façam-nas soldados, marinheiros e motoristas, estivadores, e as mulheres não morrerão tão jovens e tão rapidamente, de molde a que os homens possam dizer: - « - Hoje vi uma mulher», como era hábito dizerem: «- Vi um avião». Tudo pode acontecer, quando as mulheres deixarem de ser «protegidas», concluí, abrindo a porta. «Mas afinal o que tem tudo isto a ver com o assunto do meu ensaio, As Mulheres e a Ficção?», interroguei-me, entrando em casa."
Virginia Woolf, Um quarto que seja seu, trad. Maria Isabel Barreno, 2.ª ed., Lisboa: Vega, 1985, p. 55.