"quando chegar
ao término
o Universo
onde existirão
as coisas
que não existem?"
"Está admirado por me ouvir falar assim, não é verdade, mas acredite, nós, mulheres, sempre confinadas aos limites estreitos do lar, reflectimos sobre muitas coisas, e também vemos e sentimos muito. É-nos dado adivinhar algumas coisas, já que as ciências exactas são nossas inimigas juradas. Sabemos ler os olhares e os comportamentos. Nunca dizemos nada, estranhamente, calamos, pois por regra exprimimo-nos mal e de modo inconveniente. As nossas palavras apenas conseguem irritar os homens, assoberbados com os seus negócios, mas nunca os convencem. Assim vivemos, nós mulheres, concordamos com o que fazem à nossa volta e com o que fazem de nós, falamos de trivialidades, o que apenas reforça a suspeita de que somos espíritos pequenos e subalternos, e estamos sempre contentes, é pelo menos o que eu penso."
"Esta mulher provém de um círculo genuinamente burguês. Foi educada na utilidade e no asseio, nas esferas onde a utilidade e a prudência são os valores mais altos. Teve poucos prazeres românticos na sua vida, mas é por isso mesmo que os ama, que os guarda como um tesouro no fundo da alma."
A cor das minhas mãos é a Distância.
Em mim nunca existiu o meu passado.
Sou de Mim catedral e próprio monge.
Às vezes tento ver a minha infância.
Não conheci meus pais. Fui enjeitado.
Encontrou-me o Mistério à beira-longe."
Alfredo Guisado, Tempo de Orfeu, Coimbra: Angelus Novus, 2003. p. 118.
" - Pois bem, já estou a imaginar o que terá observado. Sim, é uma coisa horrível, mas, bem vistas as coisas, é também uma história muito antiga, um remoto mistério que se desenrola nos dias de hoje, nas nossas escuras ruas londrinas, em vez de ocorrer entre vinhedos e olivais. Sabemos já o que aconteceu àqueles que se atreveram a encontrar o Grande Deus Pã, e os mais informados sabem que todos os símbolos são símbolos de qualquer coisa, não meras arbitrariedades."
Arthur Machen, O Grande Deus Pã, trad. José Manuel Lopes, Parede: Edições Saída de Emergência, 2007, p. 59.
"Tal como a poesia do passado infinito e do futuro infinito, existe também a poesia deste instante imediato, poesia instante. A poesia é o fervilhar do Agora incarnado do antes e do depois. Na vibração da sua momentaneidade, ela suplanta as jóias cristalinas duras como pérolas, os poemas das eternidades. Não procures as qualidades das jóias eternas e imperecíveis. Procura antes a espuma branca do lodo a ferver, procura essa putrescência incipiente que é o desabar dos céus, procura a própria vida, que nunca se interrompe nem termina."
D. H. Lawrence, "Poetry of the Present", in Gencianas Bávaras e outros poemas, versão de João Almeida Flor, Lisboa: Na Regra do Jogo, 1983, p. 15.
"No início de março, a infanta portuguesa recebeu três caixas de morcelas, embora se desconheça quem as enviou. Em 11 de janeiro de 1788, Martinho de Melo e Castro lamentou que os frascos de chá idos de Portugal para D. Mariana Vitória tivessem chegado partidos, impedindo o consumo «por temer que se não possam separar as pequenas partículas de vidro que estão misturadas». A nova remessa de chá chegou devidamente acondicionada, em 29 de janeiro. Ou seja, as advertências do ministro foram ouvidas. D. Maria I presenteava também a filha com doces não identificados, alguns destinados a D. Gabriel, hóstias, isto é, um outro doce; chá, um «caixotinho» de chocolate, proveniente de Itália, leques de Macau - alguns para a filha oferecer às cunhadas Maria Luísa e Maria Josefa Carmela - bules, peças de seda de Macau e de tecido de cassa, entre 1785 e 1787, segundo a correspondência da rainha."
Isabel Drummond Braga, D. Pedro Carlos - um Infante de Espanha em Portugal e no Brasil, Lisboa: Temas e Debates, 2023, p. 64.
"Agora penso que, paradoxalmente, só através das coisas inexplicáveis é que a vida pode ser explicada. Pode considerar-se 'uma coincidência muito estranha' e passar à frente, como se não houvesse mais nada a dizer, ou como se fosse o fim. Em suma, creio que o único caminho verdadeiro não tem saída."
Arthur Machen, O Terror, trad. Manuel João Gomes, Lisboa: Vega, s.d., p. 118.
"Mas o que é o amor prudente? Os nossos métodos foram os dos sábios, mas também os dos teólogos, dos poetas, dos feiticeiros, dos magos e das crianças. No fim de contas, conduzimo-nos como bárbaros, preferindo a invasão à evasão. É que qualquer coisa nos dizia que de facto fazíamos parte das tropas estranhas, dos bandos fantomáticos conduzidos por trombetas, de ultra-sons, coortes transparentes e desordenadas que principiam a irromper sobre a nossa civilização. Nós estamos do lado dos invasores, do lado da vida que chega, do lado da mudança de era e de pensamento. Erro? Loucura? Uma vida de homem só se justifica pelo esforço, mesmo desafortunado, de melhor compreender. E melhor compreender é melhor aderir. Quanto mais eu compreendo, mais amo, pois tudo o que se compreende está certo."
Louis Pawels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mágicos, trad. Gina de Freitas, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, pp. 475-476.
"Ali, arde a substância onde Ana está ensinando a ler a Myriam, Ana sentada numa cadeira, com o livro aberto no colo, Myriam de pé, a olhar um dos primeiros textos, «que é um cavalo que vai saltar». Está sendo beijada na boca pelas letras, e inclina a cabeça para trás, pois a seta da clemência atravessou-lhe o vestido. «Quem for clemente, lê». Se a linguagem, segundo diz Ana, for aprendida na visão, ela, no fim, tirará da estante ardente a chave de leitura, e metê-la-á no bolso de Myriam."
Maria Gabriela Llansol, Um Beijo Dado Mais Tarde, Lisboa: Assírio & Alvim, 2016, p. 70.
"Há tanta poesia, e, no entanto, nada é mais raro do que um poema! É isso que faz a abundância de esforços, estudos, fragmentos, tendências, ruínas e materiais poéticos."
Friedrich Schlegel, Conversa sobre a Poesia, trad. Bruno C. Duarte, Lisboa: Imprensa da Universidade de Lisboa, 2021, p. 161.
"Sagrada é a aventura indefinidamente recomeçada, e no entanto indefinidamente progressiva, da inteligência sobre a Terra. E sagrado é o olhar que Deus lança sobre essa aventura, o olhar sob o qual se encontra suspensa essa aventura."
Louis Pawels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mágicos, trad. Gina de Freitas, Lisboa: Círculo de Leitores, 1975, p. 196.