Saturday, August 31, 2024

VÁRZEAS

 



"Dissociei das várzeas ao sol
o calor das tardes de agosto.
Eliminei dos rios os resíduos sólidos. Efectivamente,
abluí o mais conspurcado paul.

Motivado pelos êxitos, converti córregos escusos
em estuários fervilhantes de mamíferos aquáticos.

Não brotou enorme túlipa alguma. Saberei amanhã
os resultados:

Prevaleceu o vento - é bom -,
estupenda túlipa arranhou as nuvens."



Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Cobre, Porto: Editora Exclamação, 2024, p.166.

Friday, August 30, 2024

ENQUANTO FLUI

 


"O exílio nos retoma.
Com a idade a diluir-se pelo fundo abstracto
de um tempo inextinguível. Mas que sabe
à luz imóvel que resume o campo

no de fluir imperceptivelmente
por um trânsito quase que feliz.
E, enquanto flui, só se distrai. Escreve
o regresso implacável de país

que se incrementa. E é cristal. E volve
a timbre de um estado tão longínquo
que quanto passa com figura de homem,

de floresta e covil de sangue e bicho
tem pulso vivo que contunde imóvel
no coração diáfano do espírito."



Fernando Echevarría, Uso de Penumbra, Porto: Afrontamento, 1995, p. 153.

QUE LHE TOQUEM O ECO

 



"Que a alma aguarda, sob a paz do vínculo,
que lhe toquem o eco para o corpo
vir ao de cima. E, aí, espírito,
ou ânimo em estado luminoso,
segue os meandros do sítio sucessivo
que acende a música. E a que ela só põe cobro.
E onde se inventa o andamento antigo
de quando os membros cumpriam o seu fogo."


Fernando Echevarría, Uso de Penumbra, Porto: Afrontamento, 1995, p. 131.

Tuesday, August 27, 2024

ROSTOS

 


"Os fragmentos que os nossos museus acolhem mais avidamente não são nem as manchas felizes, nem «volumes» impressionantes, são cabeças. A arte moderna não está limitada por oposição à  ressurreição do passado, surgiu ao mesmo tempo que ela, e do mesmo movimento: se o homem aí perdeu o seu rosto, esse homem desfigurado reconquistou os mais nobres rostos da terra, que os tinha esquecido."


André Malraux, As Vozes do Silêncio, trad. José Júlio Andrade dos Santos, 2º vol., Lisboa: Livros do Brasil, s.d., pp. 344-345. 

Monday, August 26, 2024

ANIMAL HOMO

 



"A vida isolada, tal como a experiência singular, precedem o nascimento. Essa solidão matriz dura nove meses entre os humanos.
A humanidade integrada, tal como a linguagem adquirida, sucedem ao nascimento. Essa aquisição dura vários anos entre as crias dos homens.
É assim que o surgimento da humanidade no corpo está submetido a duas alumagens."


Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, p. 225.

Sunday, August 25, 2024

BETWEEN PAST AND FUTURE PLEASURE

 





"os domingos são dias de permanente reflexão, se dormi bem e
estou descansada, então escrevo e ouço jazz from good old times
de manhã, na sala, e como estamos em novembro e chove
e há sol lá fora, é bom ser domingo.
sinto uma enorme expectativa que vem não se sabe bem donde,
talvez dos romances de scott fitzreald que leio

later she remembered all the hours of that afternoon as happy -
one of those uneventful times that seem at the moment only a link,
between past and future pleasure, but turn out to have been
the pleasure itself. in tender is the night

pensar que se aproxima sempre, a cada momento, a hora de partir,
todas as horas de tantos tempos de abalar chegar conhecer
e de novo ir embora.
o mesmo tema me persegue e não escondo o desejo da sua realização.
a eternidade em fugir de possíveis adoradores de uma estátua
que nunca fui."



Maria Durante, ano zero - o livro da memória, s.l.: forja editora, 1983, pp. 107-108.

Saturday, August 24, 2024

BARTOLOMEU


 

"Menos solicitó veloz saeta
Destinada señal, que mordió aguda;
Agonal carro en la arena muda
No coronó con más silencio meta,

Que presurosa corre, que secreta,
A su fin nuestra edad. A quien lo duda
(Fiera que sea de razón desnuda)
Cada sol repetido es un cometa.

Confiésalo Cartago, ¿y tú lo ignoras?
Peligro corres, Licio, si porfías
En seguir sombras y abrazar engaños.

Mal te perdonarán a ti las horas,
Las horas que limando están los días,
Los días que royendo están los años."



Luis de Góngora, Antología Poética, Barcelona: Ediciones Orbis, 1983, p.101. 

COMPANHEIROS


 

"O roçar do vento nas esquinas, arcobotantes e umbrais de porta era como uma passagem desses únicos outros habitantes: o leve bater das folhas de hera umas contas as outras, o murmúrio das suas falas; as sombras, os seus vultos esguios em movimentos inquietos. Companheiros de solidão, embatia neles, nas trevas da noite, sem que lhes sentisse a forma corpórea."


Thomas Hardy, Judas, o Obscuro, trad. Maria Franco e Cabral do Nascimento, Oeiras: Levoir, 2011, p. 78. 

Wednesday, August 21, 2024

CRESCIMENTO


 "Saiu o Judas, sentindo mais do que nunca a inoportunidade da sua vida. Perto do chiqueiro estava um monte de aparas e ele deitou-se em cima. Por essa altura, o nevoeiro tornara-se translúcido: através dele via-se o Sol. Pôs o chapéu de palha na cara e espreitou pelas fendas do entrançado para o resplendor branco da luz. «O crescimento traz responsabilidades», disse ele de si para si. Os acontecimentos não seguiam o rumo que previra. A lógica da natureza era demasiado terrível. A misericórdia com uns representava crueldade com outros, e isto perturbava-lhe o sentido da harmonia. Desconfiava que, ao crescer, e ao sentir-se  no meio do tempo e não no ponto da circunferência (como nos consideramos quando somos pequenos), seria arrastado por uma espécie de torvelinho."


Thomas Hardy, Judas, o Obscuro, trad. Maria Franco e Cabral do Nascimento, Oeiras: Levoir, 2011, p. 18. 

Tuesday, August 20, 2024

ALEGAÇÕES


 "E essas imaginações trabalharam até aos nossos dias, o que deu origem à incrivelmente grande quantidade de alegações fantasiosas, atribuindo aos Templários todos os esoterismos, dos mais antigos aos mais vulgares, todas as variantes de conhecimentos de alquimia ou de magia, todos os processos de iniciação ou de afiliação, já existentes ou a vir - em resumo, todos esses «segredos» que alimentam uma ânsia de mistério inerente à natureza humana e que, por uma espécie de vingança instintiva, nunca parece mais confirmada do que nas épocas em que se parece rejeitar tudo o que parecia mistério: lembremo-nos de que foi no tempo de Descartes que os processos de bruxaria se multiplicaram; que foi nos princípios do século XVIII -século racionalista - que nasceu a franco-maçonaria; que o nosso século XX científico é também o século da proliferação das seitas e de um renascimento do ocultismo, etc."


Régine Pernoud, Os Templários, 2.ª ed., trad. Maria do Pilar Delvaulx, Mem Martins: Publicações Europa-América, 1996, p.153. 

Monday, August 19, 2024

ADMIRAR

 



" - Não sei se toca harpa. Mas é muito aplicado nos pincéis. Contratou um companheiro nosso como modelo para o apóstolo... Acredite que o retratou enquanto falava.
- Olha, eu pensei que pintava paisagens.
- Também...e cavalarias... Retrata flores que parecem vivas; frutas bem maduras, e codornizes mortas. Pinta de tudo. E as mulheres nuas que tem no estúdio escandalizam qualquer um.
- Também tem moças nuas?
- Ou meio vestidas, com um tecido que tapa e não tapa. Suba e vai lá ver, D. Lope. Esse Horácio é bom rapaz, vai recebê-lo bem.
- Eu estou curado do espanto, Pepe. Não sei admirar mulheres pintadas. Sempre gostei mais das vivas. Vá com Deus."


Benito Pérez Galdós, Tristana, trad. Pedro Ventura, Lisboa: Guerra e Paz, 2024, pp. 85-86.

Sunday, August 18, 2024

ILUMINAÇÃO

 


" - Não te rales - dizia ao seu triste amigo. - Encaremos a desgraça de peito aberto, e não dês a isto o valor de um acto extraordinariamente meritório. Nestes tempos putrefactos, estima-se como virtude o que não é senão dever dos mais elementares. O que se tem, tem-se, não te esqueças, enquanto outro não necessitar. Esta é a lei das relações entre os humanos, e tudo o resto é fruto do egoísmo e da metalização dos costumes. O dinheiro só deixa de ser vil quando é oferecido a quem tem a desgraça de necessitar dele. Eu não tenho filhos. Toma o que possuo; que não há-de faltar-nos um naco de pão."


Benito Pérez Galdós, Tristana, trad. Pedro Ventura, Lisboa: Guerra e Paz, 2024, p. 25. 

Saturday, August 17, 2024

PAISAGENS DO ESPÍRITO


"Eis as paisagens do Espírito, paisagens de ideias universais - paisagens do Absoluto, rasgadas sobre as paisagens da outra vida. A Imensidade, a Eternidade ilustram-nos sobre a mesquinhez da vida terrena, que passa veloz; e, quebrando-nos todos os ímpetos vãos, aconselham serenidade, insinuam gosto à renúncia, e educam-nos o coração nas doçuras infinitas de perdoar. São paisagens que aproximam as almas do mistério do além-túmulo, e, insuflando-as de terrores sagrados e de sagradas verdades, ensinam no mistério da Morte o mistério da Vida."


Antero de Figueiredo, Senhora do Amparo, 6.ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d., p. 253. 


Friday, August 16, 2024

PATRIMÓNIO

 



"Depois, reflectindo:
- Eu sugestiono força, eis tudo. Mas, na vida, que há que não seja sugestão? Não será a existência duma sugestão de Deus? A vida é o pensamento de Deus em movimento. A vida é Beleza. Deus revela-se em Beleza. Nascer é ser iniciado num mundo belo. Viver bem é absorver a alma na Beleza - é comungar Deus. Viver mal é anoitar a alma com o desconhecimento da Beleza. Ela é o património que o Senhor oferece aos homens em usufruto vitalício."



Antero de Figueiredo, Senhora do Amparo, 6.ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d., p. 207.

Thursday, August 15, 2024

ASSUMPÇÃO

 


"Ao terceiro dia, Jesus voltou com uma hoste de anjos. Perguntou aos apóstolos que honra deveria conceder a sua mãe, e eles responderam que o seu corpo deveria ser elevado e colocado à sua direita por toda a eternidade. Quando Jesus inclinou a cabeça em sinal de aprovação, o arcanjo Miguel imediatamente apareceu, trazendo a alma de Maria. A sua alma entrou no seu corpo e quando saiu do túmulo foi levada para o céu. Tomé, que estava ausente quando isso aconteceu, recusou-se a acreditar no que os outros apóstolos lhe disseram. Nesse momento, a faixa de Maria caiu nas suas mãos, com o nó ainda atado para que ele soubesse que ela tinha ascendido integralmente."


John Baldock, Mulheres na Bíblia, trad. Ana Sofia Rosa, Lisboa: Editorial Estampa, 2010, p. 170. 

Wednesday, August 14, 2024

MOVIMENTO

 



"Nesses longos segundos de pavor e agonia, as almas aflitíssimas rasgam-se em fervores de preces que, como línguas de fogo espiritual, sobem no espaço e apelam para o auxílio da misericórdia do favor divino. Os espíritos lançam-se fora do corpo em orações de transportados anelos. É a piedade feita chama e luz em místico movimento para Deus."


Antero de Figueiredo, Senhora do Amparo, 6.ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d., p. 49.

Tuesday, August 13, 2024

ESTORCIDA VOLÚPIA

 



"A alma de Leonor assusta e atrai.
Quere apertá-la a si, adivinhá-la. Já, apaixonadamente, doentiamente, seus sentidos gastos ardem numa estorcida volúpia de desvairo para o mistério vivo daquele corpo tão belo - flor de alma tão má; e, num desvario, sua boca em febre cola-se, esquece-se, perde-se na boca de Leonor, incendiando-se toda num turbilhão de desejos agrestes e líricos. Ela era uma deusa ignota, tenebrosa e bela, emboscada numa floresta de árvores perfumadas e de ventos musicais, a quem, em delírio, se sacrifica amor gostoso e doloroso!"


Antero de Figueiredo, Leonor Teles, "Flor de Altura", 8.ª ed., Lisboa: Livraria Bertrand, s.d., p. 220.

Monday, August 12, 2024

TEMPRO DESERTO


 

"Como acendida lámpara en estreito
                   pechado camarín,
así n-o santuário do meu peito
                  arde unha lus sin fin.

Cando a súa llama gunizando lenta
                 boquea e vai morrer,
Sopro de fé seu pábilo alimenta
                e vólvese acender.

Mais do meu peito na sinistra calma
               non hai altares...Ah!
A lámpara do tempro d'a miña alma,
              a quén alumará?...

Si algún topás, viaxeiros desta vida,
             en que creades vós,
poñeino ante esta lámpara acendida,
            que está esperando un Dios!"



Manuel Curros Enríquez, Aires da miña terra, ed. Pedro Dono López, Vigo: A Nosa Terra/Promocións Culturais Galegas, s.d., p. 117.

Sunday, August 11, 2024

AUCTOR HUIUS OPERIS TU DEUS ESSE CREDERIS

 




"Tú, oh Dios, autor de esta obra eres creído,
Tu, oh Cristo, borra los pecados a los que aquí oran.
La presente memoria recomienda a Froila, tu indigno siervo,
El cual desea y en el Señor te conjura, oh bien amado que lees esto,
para que hagas memoria de mí, pecador, en la oración sagrada."


María Dolores Barral Rivaldulla, San Miguel de Celanova - el silencio y la elocuencia de una arquitectura singular, Ourense: Grupo Francisco de Moure, 2010, p. 54.

Saturday, August 10, 2024

TRISTE E SOLA

 



                     "¡Que triste está a aldea,
que triste e que sola!
¡A terra sin frutos, a feira sin xente,
sin brazos o campo
sin nenos a escola,
sin sol o hourizonte, sin fror a semente!

                                                                      A pedra i as nubes
                                                                  a sembra arrasando,
                                                       agoiran un ano de fame sombría;
                                                                  sin pan os labregos,
                                                                  nin herba pró gando,
                                                  ¿que vai a ser deles na crúa invernía?

                                                                     Manadas famentas
                                                                de lobos montesos
                                                   baixaron das chouzas na noite calada,
                                                                e, postos en ringla,
                                                                cos ollos acesos,
                                                   acenan dos probes prá porta pechada...

                                                                     Mociños honrados
                                                                de sangue bravía,
                                                   si ó mal dos petrucios non fordes alleos,
                                                                librádeos da morte,
                                                                ¡facei montería
nos lobos da terra, nos lobos dos ceos!"


Manuel Curros Enríquez, Aires da miña terra, ed. Pedro Dono López, Vigo: A Nosa Terra/Promocións Culturais Galegas, s.d., p. 89. 

Friday, August 9, 2024

LUZ

 


"Luz comparável à primeira luz solar, que arregala os olhos quando se chega a este mundo, no decorrer do terror fundamental da aflição originária."


Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, p. 286. 

LIBERTAS

 



"Otium e libertas, eram esses os seus valores.
Eis o meu sonho: uma companhia de solitários.
A única coisa que é certa, à qual confio as minhas horas, que a leitura, no mundo, se realiza de cada vez que é aberto um livro."



Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, p. 205.

Wednesday, August 7, 2024

COMO A FOME

 



"Nunca existe presente presente: erra por todo o lado um intervalo morto. Um espaço vazio que é a fome, visto que é «como a fome» e que erra de ser em ser. Um lapso que é como o Advento. Há sempre uma espera que se prolonga entre o perdido e o iminente. O espaço vazio que a fome cava no fundo do corpo torna-se a parede onde se projecta o sonho. Depois, essa gruta,que é um velho maxilar, dá asilo ao mundo da linguagem. Então, é sempre uma imagem viva ausente que assombra por trás da percepção.
Visão que é um passado, é sempre assim o sonho.
Passado sem presença que é como o Ser antes do Ser."


Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, pp. 216-217.

Monday, August 5, 2024

AS ALAMEDAS

 


"As alamedas perseguem-nos
e arrastam-nos sem saber 
pla verde bainha aberta
com as asas a bater, 
a rir de felicidade
com um riso de prazer, 
com os troncos extasiados
e os braços a estremecer. 

Lentas e desenroladas,
magia dentro nos levam
como o arcanjo Rafael
com arreios inefáveis, 
e a nossa marcha celebram
com levianas gargalhadas.

Por onde será que passam
pra que assim as percorramos
como um corredor de graça
onde, em vez de andar, voamos?"


Gabriela Mistral, Antologia Poética, trad. Fernando Pinto do Amaral, Lisboa: Teorema, 2002, p. 103. 

Sunday, August 4, 2024

O DESCONHECIDO

 




"- Tenho a impressão de que estou a sonhar... Às vezes sonho que alguém me persegue, alguém que me causa medo e que me procura nas trevas. Escondo-me atrás duma porta, num armário. O desconhecido sabe perfeitamente onde me encontrar, mas finge ignorá-lo, para me torturar mais tempo e gozar a minha aflição... É o que os senhores fazem agora.
- Tem sonhos desses? - inquiriu o procurador.
- Tenho, sim... não quer tomar nota?
- Não; mas são estranhos os seus sonhos.
- Agora não é sonho. É realidade. Sou o lobo, e vós os caçadores."


Fedor Dostoievski, Os irmãos Karamazov, vol. II, trad. Maria Franco rev. M. J. Meco, Lisboa: Círculo de Leitores, s.d., p. 108.

Saturday, August 3, 2024

DESARÇONANTE

 



"Chuang Tse escreveu luminosamente: A vida do homem entre o céu e a terra é como um cavalo branco que atravessa um desfiladeiro: um relâmpago.
A versão da ofuscação de São Paulo pelo Sol no seu zénite na estrada de Damasco, é ainda mais simples: O desarçonante é o tempo. O dessimbolizante é Deus."



Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, p. 44.

SUMUS SINGULI

 



"Deus disse: Meliores sumus singuli. Somos melhores isolados. Na origem, estamos sós. Introduzimos a cabeça na Ausência. Encadeia-se o portão de ferro, tranca-se a porta, fecha-se a janela, espera-se que lá fora, muito ao longe, o pogrom passe sem nos ver.
Sumus singuli.
Não é avisado seguir os desejos dos pais. É desastroso seguir as vontades do grupo. Que nada se transfira para a tua cabeça. Evade-te da transferência. Cessa de servir. «Por toda a parte, o ódio é primário», quer dizer, «Por toda a parte, a solidão é preferível»."



Pascal Quignard, Os Desarçonados, trad. Diogo Paiva, Edições Cutelo, 2024, p. 15.

Thursday, August 1, 2024

A PROVA

 



"«Para vos provar que o homem, no fundo, faz parte da classe dos animais estúpidos, apenas terei que vos recordar a sua credulidade. Só hoje, muito tarde e depois de se ter violentado terrivelmente, se tornou um animal desconfiado; .. sim, o homem é agora mais maldoso do que nunca.» Não compreende: «porque é que o homem de hoje será mais desconfiado, mais maldoso?» «Porque agora tem uma ciência, porque agora tem necessidade de uma ciência!»"


Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, trad. Alfredo Margarido,6.ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 2000, I:33,  p. 68.