Sunday, October 28, 2007

A PAR DA ESTAÇÃO DA ALEGRIA


"Tu, homem, estás no umbral da vida, e percebem-se os teus frios olhos que olham para longe, ouve-se o pulsar do teu coração que deseja e aborrece com igual veemência, escuta-se a tua respiração resfolegante de fera que está prestes a arremessar-se.
Mas, à hora da espera, sucede a hora da impaciência. A nave agita-se sobre o espelho das águas e faz gemer as amarras que a retêm à terra - o cavalo escarva e estremece e estica o focinho para o prado, que cheira; para o campo que ondeia..."


Giovanni Papini, "Os Conselhos de Hamlet", in Palavras e Sangue, trad. Mário Quintana. Lisboa: Livros do Brasil, p. 164.

Sunday, October 21, 2007

RETÓRICA DUBITATIVA



"Acaso morremos e só na aparência estamos vivos,
nós, os gregos, caídos em desgraça,
imaginando que a vida é um sonho?
Ou estamos vivos e foi a vida que morreu?"

Páladas


in Do mundo Grego Outro Sol, selecç. e trad. Albano Martins, Porto: Ed. Asa, 2002, p. 78

Thursday, October 18, 2007

ANGELOGRAFIA 4, PENSANDO NO OCEANO E NOUTRAS ÁGUAS

"Ora existe em Jerusalém, junto à porta das Ovelhas, uma piscina chamada em hebraico Bezatha, que tem cinco pórticos. Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos, que esperavam o movimento da água, porque o Anjo do Senhor descia, de tempos a tempos, à piscina e agitava a água; e o primeiro que nela entrasse depois da agitação da água, ficava curado de qualquer doença que tivesse."

Jo 5, 2-4

Monday, October 15, 2007

MUNDO NA SUA CONDENAÇÃO DIFERIDA


"O mundo na sua condenação diferida
não terá outro senão o rosto que lhe dei,
consolo nas palavras que não admitiram
âncora, leme ou governo, ilha para refúgio.

Aqui esperei o que veio, após o clarão
e o raio. Vi como desocultavam as máquinas
e desfilavam em parada os cavalos de estado
para que o mundo fosse a grande oficina.

Vi o sol guarnecer de gravuras o pesadelo,
antecipando-se a uma noite longa de três dias,
na qual sereis confiados a vosso coração e paciência
e ao ruído ecoado pelas câmaras de explosão."


Paulo Teixeira, Patmos, Lisboa: Ed. Caminho, 1994, pp. 59-60.

Saturday, October 13, 2007

BUT OUR FIRE, OUR ELEMENTAL FIRE


"O fogo é-nos mais caro que o amor ou o alimento,
quente, apressado, mas queimando se lhe tocares.

O que devemos fazer
não é unir o nosso amor ou a nossa boa vontade, ou qualquer
coisa dessas,
pois temos a certeza de introduzir muitas mentiras,
mas sim o nosso fogo, o fogo elementar
de modo a que se erga numa enorme chama como um falo no
espaço vazio
e venha fecundar o zénite e o nadir
enviando milhões de centelhas de novos átomos
e nos queime e incendeie a nossa casa."



D. H. Lawrence, Os animais evangélicos e outros poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Relógio d'Água, 1994, p. 201.

Friday, October 12, 2007

RETORNAR AO CAMPO EM FRAGMENTOS


"Nesta suja e estéril república longínqua tudo é de jeito a cada vez mais, por uma reacção, me dar paganismo. Os meus pensamentos vão todos para essa paisagem lúcida e calma de Portugal, tão naturalmente predestinada a produzir esses homens que tomarão das mãos longínquas dos gregos o facho do sentimento pagão."


Ricardo Reis, Prosa, ed. Manuela Parreira da Silva, Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p. 169