Friday, May 30, 2008
SICK PROPHECY AND RUMOURS LAME AT HEEL
"O medo é uma almofada sob os pés do amor,
Com cores que são para ele tranquilas;
Vermelho suave e branco tingido de sangue, azul
De flores, verde que se une ao estio,
Doce púrpura prometido ao mar e um negro calcinado.
Todas as formas coloridas do medo, presságio e mudança,
Uma triste profecia de incertos rumores,
Premonições, astrologias e perigosas
Inscrições, o que a memória nos recorda,
Tudo fica encoberto pelo manto do amor,
E, quando ele o sacode, tudo será derrubado,
Agitado e levado no rosto poeirento do ar."
A. C. Swinburne, Rosamond, in Poesias, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 2006, pp. 16-17
Monday, May 26, 2008
AMISSUM NE CREDE DIEM
Claudiano, O Rapto de Prosérpina, 277-304, trad. Luís Cerqueira, Lisboa: Ed. Inquérito, s/dt, pp. 79-81.
Thursday, May 22, 2008
REFLEXÕES A PARTIR DAS ÁGUAS 1
"Há mais verdades do que erros, mais boas qualidades do que más, mais prazeres do que penas. Gostamos de dominar o carácter. Elevamo-nos acima da nossa espécie. Enriquecemo-nos com a consideração com que a cumulámos. Julgamos não poder separar o nosso interesse do da humanidade, não maldizer do género humano sem nos consumarmos a nós mesmos. Esta vaidade ridícula encheu os livros de hinos em louvor da natureza. O homem caiu em desgraça para aqueles que pensam. Quem o carrega de menos vícios? Quando não esteve ele quase a reerguer-se, a conseguir a reconstituição das suas virtudes?
Nada está dito. Ainda chegamos muito cedo, depois de haver homens há mais de sete mil anos. No que diz respeito aos costumes, como em tudo o resto, o menos bom é arrancado. Nós, os hábeis de entre os modernos, temos a vantagem de trabalhar depois dos antigos.
Somos susceptíveis de amizade, de justiça, de compaixão, de razão. Ó meus amigos! que é então a ausência de virtude?
Enquanto os meus amigos não morrerem, não falarei de morte."
Isidore Ducasse (Conde de Lautréamont), Poesias - Prefácio a um livro futuro, in Os Cantos de Maldoror seguidos de Poesias, trad. Pedro Tamen. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, pp. 277-278)
Tuesday, May 20, 2008
ONDE SE LÊ ROSA LEIA-SE MAIA
"múltipla esta chama
cuja flor brilha no cimo
do caule espinhoso:
incêndio vegetal. pedra
aérea que o jardim
mantém erguida, jovem e
forte. silva
exasperada será,
contra o ar, em guerra
aberta."
Manuel Gusmão, dois sóis, a rosa - a arquitectura do mundo, 2ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 105.
Tuesday, May 13, 2008
ENCANTATÓRIA (em memória de Irene Vilar)
"Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.
Custa é saber
como se emenda a morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria."
Luiza Neto Jorge, A Lume, in Poesia, org. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 240.
Sunday, May 11, 2008
LUZES VESPERTINAS ENCERRANDO AS SOMBRAS
"Que aurora! Que luz anterior à luz! Luz que não é luz ainda, mas uma sombra que alumia; luz de milagre, anunciando o nascimento de um Deus; uma luz sentimental, de íntima origem, matutina; luz que lembra um misterioso olhar infinito, num sorriso de transparência azul e sem fim... Esta luz prodigiosa da manhã, ou a luz desta manhã prodigiosa, dava ao grande panorama, já planetário, uma transfigurada aparência, dum colorido imaterial, em que vemos, durante os sonhos, certas vistas de céu e de montanha."
Teixeira de Pascoaes, A Beira (num relâmpago) / Duplo Passeio, Lisboa: Assírio & Alvim, 1994, p. 35.
Wednesday, May 7, 2008
A JÁ EXTINTA FUGA DESOLADA
"Nossa memória sempre foi a memória
dos monstros nosso enigmático testamento
de altas labaredas sempre foi
o caminho
devastado pelo sangue pela circuncisa memória
dos mortos pelo perfil
dos astros - nossa colorida volúpia
sempre foi dos monstros
a mais crua linguagem húmida fuga
desolada
através do tempo através do medo
de não sermos belos de não sabermos
esculpir na cinza o sopro
de tanta luz tão prostituída - "
Casimiro de Brito, Negação da Morte, in Ode & Ceia, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985, p. 209.
Monday, May 5, 2008
ACREDITAR NA MAGIA DOS OLHARES HUMANOS ?
"Este céu que foi contemplado
por aqueles que o hão-de louvar
por toda a eternidade,
vinhateiros e pastores,
ter-se-á ele, pela magia desses olhares humanos,
tornado permanente?
Esse belo céu e o seu vento,
o seu vento azul?
E a serenidade que lhe vem depois,
tão profunda e forte,
como se fosse um deus apaziguado
a entrar no sono?"
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos, trad. Maria Gabriela Llansol, Lisboa: Relógio d'Água, 1996, pp. 220-221.
Saturday, May 3, 2008
SENTIR A CASA
"Sentir a casa, a luz mais densa. Viver agora este contorno
mais do que o de plantas espesso. Temer o espaço,
então, o rectilíneo; (a memória diz: o útero, o gineceu da flor).
É o solstício no corpo, frigidíssimo som entre folhas,
a memória acorda: nesta hora (visual),
ó porta extinguirmo-nos, rememorar."
Fiama Hasse Pais Brandão, A Era, in Obra Breve, Lisboa: Ed. Teorema, 1991, p. 144.
Friday, May 2, 2008
JUNTO À ABSOLUTA IRREALIDADE 2
"Antístrofe I
Oxalá o destino dos deuses me ofereça, a mim que o peço, uma sorte bem-aventurada e um coração isento de dores. Que a minha percepção da vida não seja falsa nem demasiado exacta: que eu possa gozar a vida, moldando o meu feitio adaptável ao dia de amanhã."
Eurípides, Hipólito, 1115, trad. e notas de Frederico Lourenço, 3ª tiragem, Lisboa: Edições Colibri, 2005, p. 70.