Sunday, August 31, 2008

FROM THE DEPTHS OF DARK SOLITUDE



"Na fundura da minha solidão sombria,
Na eterna morada, meu refúgio sacrossanto,
Encoberto e embrenhado em reflexão soturna,
Reservado para os dias do porvir,
Busquei uma alegria, de dor liberta,
Alguma solidez isenta de mudança.
Ó Eternos! porque será morrer vosso desejo?
Porquê viver em perpétuas chamas?"


William Blake, Primeiro Livro de Urizen, trad. João Almeida Flor. 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, pp. 26-27.

Saturday, August 30, 2008

TO THE LIGHTHOUSE



"Levamos, rumo ao farol, a limpidez
o entusiasmo azul de tanto amor.

Pela tarde preciosa e semi-nua,
a vela abrasada à praia nos conduz.

Na pele o mal revela a matérica
fulguração de um sol interior.

Bátegas de gaivotas cor de lua
ateiam a lenta rendição da luz."


Jorge Vaz de Carvalho, A Lenta Rendição da Luz. Lisboa: Relógio D'Água, 1992, p. 37.

Friday, August 29, 2008

FRAG NICHT



"Quando alguém parte, tem de deitar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto do vinho que ficou no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
Não perguntes."


Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado, selec. e trad. de Judite Berkemeier e João Barrento. Lisboa: Assírio & Alvim, 1992, p. 75.

Thursday, August 28, 2008

A SOLIDÃO DE DEUS

"Debaixo do chão da igreja matriz do Rosário encontraram uns mortos que estavam sentados. Ainda tinham nos pés meias de cores variadas como se costumava fazer dantes com os restos das malhas desfeitas.
De um buraco dos alicerces saiu uma espécie de pedra que não era realmente uma pedra mas parecia. Mais tarde viram que se tratava de um livro, talvez um caderno cosido à matroca no dorso como um cordel.
Um professor holandês, fartando-se de estudar, descobriu que se tratava do diário de um santo sepultado na igreja, mas tinham-lhe também roubado os ossos. Um ano depois, com lentes grossas que nem fundos de garrafas, o professor conseguiu ler qualquer coisa dentro da pedra. Em primeiro lugar, estas palavras: «Mais solitário que Deus não há ninguém»."


Tonino Guerra, O Livro das Igrejas Abandonadas, trad. José Colaço Barreiros. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996, p. 28.

Tuesday, August 26, 2008

PRECE / PERGUNTA



"Que triângulo ou círculo poderá cercar-te
Para que te detenhas demorada e minha
Para que não desças toda pela escada"


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual. Lisboa: Caminho, 2004, p. 11.

Monday, August 25, 2008

CONFISSÃO 1



"Com a Fotografia, entramos na Morte crua. Um dia, à saída de uma aula, alguém me disse desdenhosamente: «Você fala cruamente da Morte.» Como se o horror da Morte não fosse precisamente a sua crueza! O horror é isto: nada a dizer da morte de quem eu mais gosto, nada a ter de dizer da sua foto que contemplo incessantemente sem nunca poder aprofundá-la, transformá-la. O único «pensamento» que posso ter é o de que nessa primeira morte está inscrita a minha própria morte. Entre as duas mortes, a única coisa a fazer é esperar; não tenho outro recurso a não ser essa ironia: falar do «nada a dizer»."


Roland Barthes, A Câmara Clara (Nota sobre a fotografia), trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 70, 2008, pp. 103-104.

Thursday, August 21, 2008

AS PERDAS


“Ele saiu da cidade.
E quando saiu de lá, avistou, na berma da estrada, um outro jovem que estava a chorar.
Ele caminhou na sua direcção e tocando-lhe nas longas madeixas de cabelo perguntou-lhe: «Porque choras?»
E o rapaz olhou para cima e reconheceu-O . Pensando um instante, respondeu-Lhe: «Mas eu estive morto em tempos e tu tiraste-me a morte. Que mais posso fazer do que chorar?”



Oscar Wilde, “O Benfeitor”, in Poemas em prosa, trad. Possidónio Cachapa. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2002, p. 24.

Friday, August 8, 2008

COLUNA DA VITÓRIA (SIEGESSÄULE) 1


"Exala dos teus ombros o templo dos sons
onde as palavras recolhem venerando
a luz exígua dos lábios que habitam,
o incenso dos olhos breves
ou a marca
dos pés despidos,

uma frase que reza como se deus estivesse morto
como se fosse então possível amá-lo para sempre."


Pompeu Miguel Martins, O Livro do Anjo, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2001, p. 14