Monday, December 31, 2007
ENCERRA-SE O INCIDENTE
"Duas horas em breve.
Estás deitada, talvez.
Na noite,
como um Oka de prata
a Via Láctea corre.
O tempo é meu, e os relâmpagos
que eram meus telegramas,
não mais te virão
despertar,
atormentar.
Como se diz: encerra-se o incidente.
A canoa do amor
foi-se quebrar de encontro ao quotidiano.
Eis-me quite contigo.
E é inútil o passar em revista
penas,
azares,
e recíprocas feridas.
vê,
que paz no universo.
A noite
impôs ao céu
a servidão de tantas
tantas estrelas. "
(...)
Vladimir Maiakowski, Autobiografia e Poemas, Lisboa: Ed. Presença, 1974, pp. 91-92.
PASA VELOZ DEL MUNDO LA FIGURA
SALMO IX
"Cuando me vuelvo atrás a ver los años
que han nevado la edad florida mía;
cuando miro las redes, los engaños
donde me vi algún día,
más me alegro de verme fuera dellos,
que un tiempo me pesó de padecellos.
Pasa veloz del mundo la figura,
y la muerte los pasos apresura;
la vida nunca para,
ni el Tiempo vuelve atrás la anciana cara.
Nace el hombre sujeto a la Fortuna,
y en naciendo comienza la jornada
desde la tierna cuna
a la tumba enlutada;
y las más veces suele un breve paso
distar aqueste oriente de su ocaso.
Sólo el necio mancebo,
que corona de flores la cabeza,
es el que sólo empieza
siempre a vivier de nuevo.
Pues si la vida es tal, si es desta suerte,
llamarla vida agravio es de la muerte."
Francisco de Quevedo, Poemas Escogidos, ed. José Manuel Blecua, 4ª ed., Madrid: Clásicos Castália, 1989, p. 66.
Monday, December 24, 2007
A LUZ SE APAGA, A BRUMA SOBE...
"A luz se apaga, a bruma sobe, as ondas indistintas
fundem o seu som à noite lenta e quieta.
Não natureza isto: uma tristeza só
de nos pensarmos quanto no passado
se era animal sem culpa e sem vileza
de ser-se humano em pensamento. Nada
há senão só um corpo que não fale
e que não pense para mais que o instante
de usar-se inteiro no esquecer da vida.
E a vida então será, sem noite e sem memória,
o prazer puro em triunfar-se viva."
Jorge de Sena, "Exorcismos", in Poesia III, Lisboa: Edições 70, 1989, p. 136.
Sunday, December 23, 2007
A SABEDORIA DAS SOMBRAS
"Sabe-o melhor do que nós,
a gata, entre livros e livros
que terá a sorte de não ler.
Aproxima-se, não tem pressa,
vem-nos recordar que estamos
vivos - menos felizes, mas vivos -
à mercê de um verso, da sombra
pálida dos livros, da música
contrária à evidência de haver mundo."
Manuel de Freitas, Blues for Mary Jane, Lisboa: & etc, 2004, p. 37.
Friday, December 21, 2007
DRINK UP SWEET DECADENCE
"The voice of God is full of draughtiness,
Promising simply the hard stars, the space
Of immortal blankness, between stars
And no bodies, singing like arrows up to heaven."
(A voz de Deus está cheia de correntes de ar,
prometendo apenas as estrelas fixas, o espaço
da desolação imortal entre as estrelas
e sem corpo, cantando como flechas erguidas para o céu)
Sylvia Plath, Pela Água, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, pp. 58-59.
Monday, December 17, 2007
O NATAL DOS POBRES
"Da matéria tem nascido à custa de gritos, de fibras torcidas, o imorredoiro espírito. Através das idades ele se criou, através da dor veio surgindo. O mundo espiritual é já hoje mais vasto que o mundo material. A dor é primavera da vida. Para se entrar na vida ou para se entrar na morte há sempre gritos. A dor ara o céu cheio de estrelas e os seres humildes."
Raul Brandão, Os Pobres. Lisboa: Ed. Comunicação, p. 229.
Wednesday, December 12, 2007
MUNDO MISTERIOSO, CHEIO DE GRITOS
"Para se criar é preciso sofrer. Hoje e sempre só a dor é que dá vida às coisas inanimadas. Com um escopro e um tronco inerte faz-se uma obra admirável, se o escultor sofreu. Mais: com palavras, com sons perdidos, com imaterialidades, consegue-se esse milagre: fazer rir, fazer sonhar, arrancar lágrimas a outras criaturas. Com as simples e secas letras do abecedário, um desgraçado com génio, metido numa água-furtada, edifica uma coisa eterna, uma construção mais sólida e mais bela do que se fosse arrancar os materiais ao coração das montanhas.
O que é então a dor, milagre extraordinário que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor, cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, ainda depois de mirradas vão aquecer e alumiar os pobre.
A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos como ela..."
Raul Brandão, Os Pobres, Lisboa: Ed. Comunicação, 1984, pp. 77-78.
Monday, December 10, 2007
REGRESSO ÀS COISAS DISTENDIDAS DE PRESENTE
"Regressa morte
às coisas distendidas de presente
morre a tensa presença
do regresso
morde o sangue dos objectos
a distensão dos dentes
o presente sangrar dos que regressam
a objectiva em riste dos desígnios
regressa
com as coisas imensas dos que sangram
com o presente vivo dos perigos
as feridas do mar o indistinto
distende os olhos dos vivos
estende na terra o olhar inútil dos mortos
o hálito livre dos mortos
regressa morta
à pele mordida de noites e perigos
regressa
e morre"
Gastão Cruz, "A morte percutiva" in Orgão de Luzes - Poesia Reunida, Lisboa: IN-CM, 1990, p. 26
Saturday, December 8, 2007
NA BOA NOVA DE NOBRE, LENDO RÉGIO
"Nuvens tocadas pelos ventos, ide!
Lá para além de vós, o céu não passa.
Contra as rochas erguidas e paradas,
Desfazei-vos na vossa eterna lide,
Ondas!, flocos de espuma encrespadas...
Que a praia, não há onda que a desfaça...
Desfolhai-vos nas asas do tufão,
Rosas inda em botão esta manhã,
Folhas aos ventos troncos arrancadas!
Cinzas levais, só cinza!, em vossa mão,
Tempestades futuras e passadas!
Sobre a semente, a vossa fúria é vã.
Decorrei, dias meus já sem sentido
Senão o de ficar, que não é vosso.
Dissolvei-vos no ar, mãos revoltadas!
Gestos, formas, visões, sons, pó erguido,
Voltai ao pó das tumbas ignoradas!...
Que não se apaga a luz de além do poço.
(...)"
José Régio, "Mas Deus é Grande", in Não Vou Por Aí - Antologia Poética, selecç. Isabel Cadete Novais, 3ª ed. Vila Nova Famalicão: Quasi Edições, 2001, p. 116.
Sunday, December 2, 2007
DO ALTO DA TUA INATINGÍVEL CONDIÇÃO
"Ninguém morrera ainda tanto como eu
só tive de estender um pouco mais o corpo
Sobre o meu rosto passam uma a uma as gerações
e vem lavar-me a água os velhos pés
E diz-me Deus, tão acessível como o mar nas praias:
- Tu és cada vez mais aquilo que tu és
Há entre as oliveiras sítio para o sol
e a brisa da infância canta rindo nos ramos
entre o cheiro do giz e as canções da escola
Deus é perto de mim como uma árvore"
Ruy Belo, "Figura Jacente", in O Problema da Habitação - Alguns Aspectos. Lisboa, ed. Presença, 4ª ed., 1997, p. 54.
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