"Escondo-me na minha flor,
Para que, murchando em teu Vaso,
tu, insciente, me procures -
Quase uma solidão."
Emily Dickinson, 80 Poemas de Emily Dickinson, trad. Jorge de Sena, Lisboa: Edições 70, 1979, p. 83.
"Psiquicamente, nós somos criados pelos nossos sonhos. Somos criados e limitados pelos nossos sonhos pois são eles quem desenha os últimos confins do nosso espírito. A imaginação funciona na cúpula, como uma chama, e é na região da metáfora de metáfora, na região dadaísta, onde o sonho, como o entendeu Tristan Tzara, é o ensaio de uma experiência, quando o sonho transforma as coisas já previamente transformadas, que se deve buscar o segredo das energias mutantes. É preciso pois cada um de nós encontrar maneira de se instalar no ponto de onde se divisa o impulso original, tentados sem dúvida por uma anarquia pessoal, mas apesar disso dependente da sedução alheia. Para se ser feliz é preciso pensar-se na felicidade de um outro."
"Lembro-me que um dia desenvolveste esta ideia, que nós, homens, não caímos na morte de repente, antes avançamos gradualmente para ela. Morremos diariamente, já que diariamente ficamos privados de uma parte da vida; por isso mesmo, à medida que nós crescemos a nossa vida vai decrescendo. Começamos por perder a infância, depois a adolescência, depois a juventude. Todo o tempo que decorreu até ontem é tempo irrecuperável; o próprio dia em que estamos hoje, compartilhamo-lo com a morte."
"Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!"
"O que ia acontecer? Ela nada sabia disso, mas, tendo levado toda a sua vida a esperar, a sua impaciência confundia-se com a esperança de participar num cataclismo geral em que, ao mesmo tempo que os seres, seriam destruídas as distâncias que separam os seres."
"O seu próprio prazer tornou-se muito grande. Tornou-se tão grande, tão impiedoso, que o sofreu com uma espécie de terror e que, ao levantar-se, momento insuportável, sem receber do seu interlocutor um sinal cúmplice, se apercebeu de toda a estranheza que havia em ser observado por uma palavra como um ser vivo, e não apenas por uma palavra, mas por todas as palavras que se encontravam nessa palavra, por todas aquelas que a acompanhavam e que por sua vez continham em si mesmas outras palavras, como um cortejo de anjos abrindo-se sem fim até ao olhar do absoluto."
"Devaneio repugnante. Em breve a noite lhe pareceu mais sombria, mais terrível do que qualquer outra noite, pensamento que já não se pensava, do pensamento tomado ironicamente como tema por algo que não o pensamento. Era a própria noite. Imagens que faziam a sua escuridão inundavam-no. Ele não via nada e, longe de ficar abatido, fazia dessa ausência de visão o ponto culminante do seu olhar. O seu olho, inútil para ver, adquiria proporções extraordinárias, desenvolvia-se de um modo desmesurado e, estendendo-se pelo horizonte, deixava a noite penetrar no seu centro para aí receber o dia."
Daniel Faria, Poesia, 2.ª ed. de Vera Vouga, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 334.
"Não convém confiar muito em projectos, pois a Fortuna tem as suas próprias razões."
"O síndico acendia o seu cachimbo com uma brasa, a servente escaldava uma lebre na água fervente de um grande caldeirão, e por uma janela aberta, podiam ver-se as fiandeiras conversando no silêncio do pátio ensombreado por um olmo. Perante as conhecidas imagens interrogava-me se, em épocas passadas, os homens teriam a nostalgia do passado, como eu, nesta manhã de estio, a nostalgia - por tê-los conhecido - de certos modos de vida que o homem perdera para sempre."
"Tal sofrimento não se pode exprimir. Nessa tortura moral, Jesus alcançou-nos o dom da força para podermos resistir, no extremo abandono, quando se quebram todos os laços da família ou convívio. Nessa provação venceremos, se unirmos o nosso abandono com os merecimentos do abandono de Jesus."
"Vi figuras de anjos em volta dele. Quando, porém, a escuridão se tornou mais densa e o terror pesava já sobre todas as consciências, ficou Jesus abandonado de todos e privado de toda a consolação. Sofria tudo quanto pode sofrer um homem, aflito e esmagado pelo desamparo completo, sem consolação divina ou humana, no deserto da provação e num infinito martírio."