Thursday, September 30, 2021

PERDER

 



"As perdas, nojos, doenças
e fortunas tem remédio
mas quem deixa perder o tempo
nunca mais o pode cobrar"


Garcia de Resende, "Miscelânea", 1-4, in Poesia de Garcia de Resende, ed. José Camões, Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, p. 195. 



Wednesday, September 29, 2021

ARCANJO

 



"O homem, quando já nada o prende, eleva-se por assim dizer automaticamente aos céus, os órgãos superiores são os primeiros a libertar-se por si da amorfa amálgama universal e da completa dissolução de todas as disposições e forças humanas, como núcleo originário da configuração das coisas terrestres. O espírito de Deus paira sobre as águas e começa a tornar-se visível acima do refluxo das ondas uma ilha celestial, pátria do homem novo, paisagem envolvente da torrente da vida eterna."


Novalis, A Cristandade ou a Europa e selecção de fragmentos, trad. José Miranda Justo, Lisboa: Antígona, 2006, p. 46. 

Tuesday, September 28, 2021

CUPID MAKING HIS BOW

 



"O carinho com que ele encaixotava os seus desenhos, os seus modelos e as suas gravuras! Quando empapelava, extenuado e trémulo, a gravura de Bartolozzi - Cupid making his bow -, disse ele a Teresa, mostrando-lha:
- Lembras-te, filha, quando a tua pobre mãe teimava que este cupido era um Menino Jesus a trabalhar de carpinteiro, com dois anjos aos pés?
Teresa chorava.
- Choras? E eu pensei que te faria sorrir com esta recordação! Que dia aquele! Que dia, e que momento quanto tu colheste a florinha da minha jarra! Se bem reparo em ti, és linda como então. Nem nos meus olhos, nem na minha alma, perdeste a menor das tuas belezas, depois de sete anos! Que singularidade! Parece-me que te adoro hoje mais do que nunca! É o coração que te foge e por isso te ama com mais sofreguidão... Será?"


Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 81.

Monday, September 27, 2021

DOMICÍLIO CONJUGAL

 



"Teresa de Jesus cansava-se de o ver trabalhar, porque nem o entendia nem o admirava. Em geral, e por condescendência, achava tudo bonito; mas pedia-lhe que fosse passear com ela e não estivesse sempre a malucar naquelas coisas. 
- A malucar? - murmurava o artista com secreta amargura; e, às vezes, passava-lhe pelo espírito a desconfiança de que a esposa era uma organização rude, com a formosura casual que não passa de um jeito feliz da matéria, alheia de todo às qualidades do espírito. Isto dissaboreava-o e abria-lhe no coração brecha por onde a saudade se ia em busca da sua isenção e pobreza independente de artista obscuro. Depois, uma carícia de Teresa dava-lhe ao coração alegres reações e, por um pouco, o sentimento real de renovados prazeres subjugava as destemperadas aspirações ao tal ideal impalpável, que o reitor de Ronfe não percebia, nem eu."


Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 68. 

Sunday, September 26, 2021

TEMPOS

 


"No meu tempo amava-se muito. É por essa quadra de flores que a minha imaginação se esvoaça como a abelha à volta das corolas de um ramal de rosas. Sou do período dos aéreos perfumes; este agora é o dos sons metálicos. As almas então eram leves, voláteis, e vestiam-se com os raios prateados da lua; hoje, ouço dizer que os corações estão pesados e retraídos dentro dos seus espinhos de ambição, cobertos de pomos de ouro como os ouriços-cacheiros no estrado das macieiras."

Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 48. 

Saturday, September 25, 2021

DOCE MELANCOLIA

 


"Os visitantes do tesouro da nossa Senhora da Oliveira retiraram-se, e Guilherme, daí a pouco, tinha copiado da alma para o papel duas feições fiéis do rosto de Teresa: os olhos e o mais incorpóreo deles - a doce melancolia com que o fitara no momento em que o seu pai lhe concedia habilitações para meste-escola. Depois guardou o desenho e andou pelas igrejas observando os tons das tintas, o colorido, a luz e a sombra das santas pintadas a óleo. Sentia-se menos só. Aquela imagem acompanhava-a como a estrela que vai connosco pela solidão da noite alta. Saía mais a miúdo por essas muralhas de verdura gigante que rodeavam a destemida aviltadora do condestável Duguesclin. Não ouvira até então as liras que rumorejam nas florestas nem a franja de ouro do arrebol se erguia entremostrando-lhe o enigma da felicidade esclarecida por uma pouca de luz difusa dos olhos de uma mulher."


Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 16. 

Friday, September 24, 2021

PUNGIR


"Tinha as tristezas do talento que se acha excluído das condições materiais do interesse. O pai via um equivalente a dinheiro nos lavores do filho; o artista, sonhando as vagas ovações da glória, via em redor de si o riso desdenhoso da inveja e o estipêndio regateado do trabalho. Escondia-se para não ver passar às mãos de um frio possuidor de baixela a sua obra, que levava mais amor do seu coração que primores do escopro. Pungiam-lhe então o espírito violentas ambições de riqueza. Queria sagrar a sua arte esquivando-se à prostituição do dinheiro; fechar-se com as suas criações, fazê-las símbolos da sua vida obscura num mundo cheio de luz, espelhar na lâmina de ouro e prata a sua alma, rever-se nas suas obras quando baixasse ao poente da vida e legá-las para um alto espírito que uma vez encontrasse a procurar em vão ao vazio das alegrias humanas o trabalho como refúgio, e as lágrimas ignoradas como consolação."

Camilo Castelo Branco, A Viúva do Enforcado, Porto: Book Cover Editora, 2021, p. 14. 

Thursday, September 23, 2021

ESTRANHA TRAMA

 



"Mas, o que é realmente a aura? Uma estranha trama de espaço e tempo: o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja. Seguir com o olhar uma cadeia de montanhas no horizonte ou um ramo de árvore que deita sobre o observador a sua sombra, até que o instante ou a hora participam do seu aparecimento - isso é respirar a aura das montanhas, desse ramo."


Walter Benjamin, "Pequena História da Fotografia", in A Modernidade, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 254. 

Wednesday, September 22, 2021

OUTONO



"No início, a nossa pedra é apenas água vulgar, contendo calor e frio que, juntos, a devoram. Esta pedra, não poderei compará-la a nada:
É verde e azul, fruto das nossas minas. 
Filho, sobe aos mais altos cumes, os que estão à esquerda e à direita, para encontrar a nossa pedra. 
A montanha que contém toda a espécie de pimentas e de especiarias, concede também, através das criaturas de Deus, sabedoria, razão e conhecimento.
Ó tu, natureza bendita, assim seja a tua obra! Pois é graças a ti que todas as coisas imperfeitas se tornarão perfeitas. 
É por essa razão que apenas deves aceitar uma natureza pura, clara, alegre, terrestre e justa. Se agires de outra forma, nada te poderá ajudar."


Caspar Hartung Vom Hoff, O Pequeno Livro sobre a Arte, trad. Cristina Diamantino, Lisboa: Edições 70, 1990, p. 29. 

Monday, September 20, 2021

CONTINUUM

 



"140. (...)
A doutrina da natureza tem que deixar de ser tratada por capítulos - segundo divisões disciplinares - Tem de se tornar (um continuum) uma história - uma planta orgânica - uma árvore - ou um animal - ou um ser humano."


Novalis, A Cristandade ou a Europa e selecção de fragmentos, trad. José Miranda Justo, Lisboa: Antígona, 2006, p. 76. 

Sunday, September 19, 2021

AVULSOS (para a memória de José-Augusto França)

 


"E para trás dessas miúdas recordações que saltavam avulso na sua memória, um passado se lhe impunha agora - não como uma fuga, não como uma satisfação, mas como uma garantia. 
Uma memória viva, do que contra esse passado conseguira, da sua luta, do seu sofrimento, e da vitória da sua alma e da sua vontade, ganhava corpo e peso. Ela lhe confirmava a possibilidade de renascer, de ressuscitar, e incitava-a consigo própria."


José-Augusto França, Natureza Morta, 2.ª ed., Lisboa: Editora Arcádia, 1961, pp. 46-47. 

Saturday, September 18, 2021

NECESSIDADE


" 520. O poeta necessita de um sentido tranquilo, atento - de ideias ou inclinações que o desviem dos negócios terrenos e das pequenas ocupações, necessita de uma situação despreocupada - de viagens - de travar conhecimento com gente de muitos tipos - de intuições diversas - de leviandade - de memória - do dom da palavra - de não se prender a um só objecto, de não ter paixão em sentido integral - de uma receptividade multifacetada."


Novalis, A Cristandade ou a Europa e selecção de fragmentos, trad. José Miranda Justo, Lisboa: Antígona, 2006, p. 89. 

Thursday, September 16, 2021

GRAZINA



"Neste fio de pedra 
amarescente
grazina a cor
e navega o espaço

extrema paciência de setembro
alarga
inesperada
flavo

asas atrofiadas dos dias
como se quisessem
romper o mundo
ritmo de alísios frios

a pique
lâminas expandem
súbitos
espaços"


Régis Bonvicino, Lindero Nuevo Vedado - antologia poética, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002, p. 105. 

Wednesday, September 15, 2021

RESISTINDO

 



"O poeta disse: a inspiração
não existe. De há muito, as musas
ficaram desempregadas. E desvendou
algum método de trabalho
à parca assistência, altivo e contemporâneo, 
enquanto lá fora o mar e as altas palmeiras
resistindo ao tráfego do fim de tarde, 
pouco se interessavam
pela carpintaria dos versos."


Inês Lourenço, in Das Tripas ao Coração, org. Egito Gonçalves e Rosa Alice Branco, Porto: Campo das Letras, 2001, p. 71. 

Tuesday, September 14, 2021

EXODUS

 


"A espécie humana está já constrangida pela necessidade de ter que evacuar o sistema solar daqui a quatro biliões de anos. Terá sido o veículo transitório de um processo muito improvável de complexificação. O êxodo já está a ser programado. A única hipótese que já de o conseguir é que a espécie se adapte à complexidade que a desafia. E se o êxodo não se cumprir, o que se terá preservado não será a própria espécie, mas a «mónade mais completa» que a espécie era em potência."

 

Jean-François Lyotard, O Inumano. Considerações sobre o tempo, 2.ª ed., trad. Ana Cristina Seabra e Elisabete Alexandre, Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 71. 

Monday, September 13, 2021

PERANTE A BARBARIDADE

 


"Mas a história da literatura tem inúmeros exemplos de construções narrativas onde a violência, a injustiça e o mal são encenados não como valores prezados ou rejeitados, mas sim como agentes com que temos de contar nas escolhas morais que fazemos como seres humanos em inter-ação com outros seres humanos. É nesses momentos que nós aprendemos a lidar com os vários rostos da verdade, e sobretudo a decidir por nós próprios qual a verdade que mais perto se encontra de nós e dos limites que traçamos para a nossa tolerância. Porque é cada um de nós quem, de facto, traça as fronteiras das diferentes formas de iniquidade com que convivemos no mundo. Perante a barbaridade, é só de nós e das nossas escolhas que depende o traçamento de uma tolerância que não se confunda com colaboracionismo, conformismo, cumplicidade ou medo."

Manuel Frias Martins, A Lágrima de Ulisses - Regimes da Cultura Literária, Porto: Editora Exclamação, 2021, p. 104. 

Sunday, September 12, 2021

FERROS

 



"Este nunca se dar
agora nos vermelhos
como ferros em brasa
que entretanto se esfumam

Nunca se dar, em negros, 
só, entre lobo e cão, 
branco como parede
nem ao menos um ocre

Ser que se escamoteia 
entre o roxo e seu não - 
os intervalos flavos, 
glauco estar mas em vão

Nunca, sequer em tons, 
quebram-se, lascas roxas, 
sons se afogam na boca, 
nesta troca de nãos"


Régis Bonvicino, Lindero Nuevo Vedado - antologia poética, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002, p. 48. 

Saturday, September 11, 2021

9/11

 



"Vede, corpo e alma, este país
A minha Manhattan com as suas torres e as marés esfervescentes e 
               súbitas, os navios, 
A terra variada e ampla, o Sul e o Norte iluminados, as margens do
               Ohio e o cintilante Missuri, 
E sempre as extensas pradarias cobertas de erva e milho. 

Vede, o mais maravilhoso sol, tão calmo e altivo, 
A manhã violeta e purpúrea com amenas brisas, 
A suave e infinita luz que nasce docemente, 
O milagre que se expande, que tudo banha, o pleno meio-dia, 
A tarde que se aproxima deliciosa, a noite bem-vinda e as estrelas, 
Que brilham sobre todas as minhas cidades, envolvendo o homem
              e a terra."


Walt Whitman, Folhas de Erva, trad. Maria de Lourdes Guimarães. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 297. 

Friday, September 10, 2021

I TRAMP A PERPETUAL JOURNEY (para a memória de Jorge Sampaio)

 



"Sei que tenho o melhor do tempo e do espaço, e nunca fui medido e nunca serei medido."



Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo, trad. José Agostinho Baptista, Lisboa: Assírio & Alvim, 1992, p. 131. 

Thursday, September 9, 2021

CARÁTER


"Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de uma tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de que não há conhecimento exato e que deixam margem para dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala, como aliás alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o caráter é o principal meio de persuasão."


Aristóteles, Retórica, 1356a, trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto, Abel do Nascimento, 5.ª ed., Lisboa: IN-CM, 2018, p. 74. 

Tuesday, September 7, 2021

ROSTOS

 



" - E julga-me a mim capaz de reproduzir na tela um rosto que não estou a ver?
- Não, mas de facto você vê muito mais rostos que eu! A sua imaginação e a sua memória estão a abarrotar de caras, emergem de todos os museus que visitou, de todas as grandes obras que estudou. Sei bem que há-de descobrir o que convém à minha visitante e, sobretudo, dar-lhe aquele ar que só o tempo deixa, a patine...
Depois de reflectir na questão, ela perguntou:
- Para que é que é precisa a patine?
- Precisamente para lhe dar o tom do tempo passado. Ela não me disse mais nada, a não ser que o quadro é para ser pendurado sobre o fogão da sala. Mas tenho a impressão de que deverá representar ou simbolizar qualquer esposo que não é já deste mundo, se é que alguma vez o foi. Por isso ela lhe deixa carta branca. 
- Sem nada por que me possa guiar - fotografias, ou outros retratos?
- Nada."


Henry James, "A Patine do Tempo", in Seis Histórias de Fantasmas e Espectros, trad. Manuel João Gomes, Lisboa: Editora Arcádia, 1977, p. 190.

Monday, September 6, 2021

SALA GRANDE

 



"Estou em crer que nem a arte
se suporta já um final feliz.

Contou-me que tinha chegado
pelo fim de uma tarde de outubro.
As vinhas cobriam-se de vermelho.
Ao abrir o portão de ferro

a muito custo,
as últimas chuvas tinham amontoado
as folhas caídas, deparou
com um jardim de heras, buxo e

ciprestes.
O vento arrastava a sombria casa, 
cada vez mais ia o escuro
os ciprestes

enverdecendo. Uma folha enlameada
bateu-lhe na cara; um morto que se
erguesse vindo da sala grande
com cortinados e varandas largas

não lhe teria tocado de outro modo
mole, rente ao seu apertado coração. Um
ramo de árvore ritmava nos vidros.
Contou-me, de modo tão simples

que viemos à terra para sermos felizes
e não para sofrermos sem parar. Uma 
sala assim carregada de espelhos, 
quando as folhas e o vento e os ramos

passam do fim da tarde de outono para
a noite do outono, quando a lua se levanta
e risca tudo de branco         revela
o que julgas ainda não ser."


João Miguel Fernandes Jorge, Invisíveis Correntes, Lisboa: Relógio D'Água, 2004, pp. 15-16. 

Sunday, September 5, 2021

AZUL E OIRO




"Amo aquele que pede o impossível
quando sente a casa desmoronar tijolo
a tijolo
com a leveza de uma pena liberta pleno
voo

de um azul e oiro, o ritmo - 
   esse tijolo de barro vermelho
de um modo apaixonado pede

a vida
e a vida, num último instante, dá-lhe jardins, 
deuses e a energia de uma 
cidade suspensa
a luz de um palácio submerso

no último instante, 
muito lento,
silvam as chamas do desamparo, caducidade
duração."


João Miguel Fernandes Jorge, Invisíveis Correntes, Lisboa: Relógio D'Água, 2004, p. 47. 

Saturday, September 4, 2021

MEMÓRIA

 



"Quando de novo retomou a sua narrativa fê-lo com uma voz totalmente transformada; era um murmúrio, um salmodiar sussurrado, era como se outra pessoa falasse em seu lugar. 
- O Homem não vale nada, e a sua memória está cheia de buracos que ele nunca poderá passajar. É preciso, no entanto, fazer muitas coisas que nunca esquecemos. Cada um de nós esquece o seu quotidiano."


Hermann Broch, A Criada Zerlina, versão de António S. Ribeiro a partir da trad. de Suana Muñoz, 2.ª ed., Lisboa: Difel, 2002, p. 27. 

Friday, September 3, 2021

ON THE MOVE

 



"O gaio azul arrastando-se por entre os arbustos persegue
Um desígnio oculto, as andorinhas voam em círculos,
E o deleite das aves, que fizeram ninhos nas árvores
E vegetação rasteira, jorra pelos campos.
À procura do seu instinto, do equilíbrio, ou ambos, 
Algo se encaminha com uma violência indefinida
Sob o pó lançado por um sentimento confuso
Ou sob o monótono estrondear de palavras que se aproximam."
(...)


Thom Gunn, A Destruição do Nada e outros poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 1993, p. 21. 

Thursday, September 2, 2021

DÉCIMO TERCEIRO ANO


"Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim
Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
São uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
(...)"


Ruy Belo, “Transporte no Tempo”, in Todos os Poemas, 4.ª ed. , Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, p. 403. 

Wednesday, September 1, 2021

DESAMPARADO

 



"Que cidadão desamparado és
luz dos séculos
tu que contemplas 
o filme de horror
da história
e te escondes no terraço
do céu
a chorar 
pela tragédia?"


 Gustavo Tatis Guerra, in Um País que Sonha – cem anos de poesia colombiana (1865-1965), selec. Lauren Mendinueta, trad. Nuno Júdice, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 423.