Sunday, November 7, 2021

PERDER



" - Homem desonrado é como a raiva. Pra mim, não serve! 
Qual seria a sua estrela? Os céus estavam coalhados daqueles olhos luminosos. Eram rasgões do manto em que Deus se embrulhava. Deus tinha uma coberta toda esburacada como os pobres e os que sofrem. Não entenderia ele a sua dor? Perder Glória era como perder o chão firme da vida. As estrelas estavam longe e eram frias; o manto de Deus continuava sereno, insensível, sem uma ondulação, e o frio da lua começava já a varar pelo alto, desolado e triste. Deus ficava surdo. Capula sentia-se abandonado, sem ninguém que pudesse alcançar aquele medo que o tomava. Perder Glória! Contasse a quem contasse, de nada servia; passavam coisas no coração dum homem que os outros não entendiam. 
A noite fechara-se por completo. Os garoto tinham debandado, os pássaros dormiam, e os morcegos continuavam a rondar as árvores quietas."


Carlos de Oliveira, Alcateia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2021, p. 71. 

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