"(...) Desde muito cedo e muito profundamente iniciado no segredo segundo o qual mundus vult decipi (o mundo quer ser enganado), eu não podia seguir esta táctica. Pelo contrário, tratava-se, tanto quanto possível, de enganar ao invés, de se servir de todo o conhecimento dos homens nas suas fraquezas e as suas loucuras, não para deles tirar proveito, mas para me aniquilar a mim mesmo e atenuar a impressão produzida pela minha pessoa. O segredo do engano que se acomoda aos caprichos do mundo desejoso de ser enganado consiste, por um lado, em organizar conventículos e tudo o que se segue, em ligar-se a uma das sociedades de admiração mútua onde há entreajuda mediante a palavra e a escrita para proveito mundano de cada um; por outro lado, ele quer que se fuja da multidão, à qual jamais se mostra, para assim agir sobre as imaginações. Tratava-se, portanto, de fazer o inverso; eu devia existir e entrincheirar a minha existência num isolamento absoluto; mas precisava, ao mesmo tempo, de ter cuidado em me mostrar a toda a hora do dia, vivendo por assim dizer na rua, na companhia de Pedro e de Paulo e nos encontros mais inesperados. Tal era, na arte de enganar o caminho da verdade, o meio para sempre certo de atenuar no mundo a impresão que se dá de si mesmo,a via de renúncia seguida ainda por pessoas completamente diferentes de mim para atrair a atenção, pelos homens que gozam de consideração, pelos «embusteiros» expeditos em tirar partido da mensagem, e não em servi-la, e que visam unicamente adquirir reputação (...)"
Sören Kierkegaard, Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra de Escritor, trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, 2002, pp. 58-59.
Sören Kierkegaard, Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra de Escritor, trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, 2002, pp. 58-59.
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