Wednesday, March 19, 2008

SEMANA SANTA 2


"- Sou, como direi?, sou um homem religioso.
- No entanto...
- Claro, não acredito em nada disso... nessas coisas... imortalidade da alma... Deus, o barroco Deus teológico... o bem comezinho, o mal comezinho... Detestável, tudo isso, as crenças e virtudes da baixa religiosidade.
- Talvez creia - disse eu - que vida e morte se abram uma para a outra, se alimentem, mutuamente. Que seja cada uma delas uma espécie de duplo da outra. Se animem e, por assim dizer, se justifiquem e signifiquem entre si.
- Quer exprimi-lo desse modo? - as mãos traçam subtilmente um gesto de irónica concessão. - Talvez seja isso... Aos vinte e cinco anos fui viajar. Estive em muitos países. Vivi alguns anos em várias das maiores cidades do mundo. Valeu a pena. Não há raças nem países. O homem é estúpido. E precisa que o amem, precisa amar. Um pouco repugnante, não? Mas pode-se amá-lo, assim repugnante."


Herberto Helder, Os Passos em Volta, 9ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 141.

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