"Ergueu-se do cepo e de pé ficou diante das duas irmãs.
-Eu sou uma grande artista! - disse ela.
Esperou um momento e depois repetiu:
- Eu sou uma grande artista, Mesdames.
De novo por longo tempo se fez um profundo silêncio na cozinha.
Por fim, Martine disse:
- Então vai ser pobre para o resto da vida, Babette?
- Pobre? - retorquiu Babette. E sorriu como se só ela soubesse porquê. - Não, eu nunca serei pobre. Disse-vos que sou uma grande artista. Um grande artista, Mesdames, nunca é pobre. Temos qualquer coisa, Mesdames, que os outros nada conhecem. (...)
Continuava imóvel, perdida nos seus pensamentos.
- Sabem, Mesdames - disse por fim - essa gente pertencia-me, eram todos meus. Haviam sido educados a um custo que as senhoras, pobrezinhas, não imaginam ou sequer haviam de acreditar, e ensinados a compreender a grandeza da minha arte. Eu podia fazê-los felizes. Quando dava o meu melhor, fazia-os perfeitamente felizes.
Fez uma breve pausa.
-Era assim também com Monsieur Papin - disse ela.
- Com Monsieur Papin? - perguntou Phillipa.
- Sim, com o seu Monsieur Papin, minha pobre senhora - disse Babette. - Ele próprio mo disse: «É terrível e insuportável para um artista», dizia ele, «ser encorajado a fazer, e aplaudido por ter feito, uma coisa inferior a nós próprios.» Dizia ele: «O mundo inteiro é percorrido por um só grito; é o coração do artista que pede: «Deixai-me fazer o insuperável!»
Phillipa acercou-se de Babette e abraçou-a. Sentiu o corpo da cozinheira qual monumento de mármore contra o seu, que, esse sim, tremia da cabeça aos pés.
Por momentos, ficou incapaz de falar. Depois murmurou:
- Mas isto não é o fim! Sinto, Babette, que isto não é o fim. No Paraíso há-de ser a grande artista que Deus sempre quis que fosse! Ah - disse ainda, as lágrimas correndo-lhe pelas faces. - Ah, como irá, Babette, encantar os anjos!"
Isak Dinesen (Karen Blixen), Histórias do Destino - A Festa de Babette e outros contos, trad. Maria J. Jorge. Lisboa: Editorial Querco, 1988, pp. 60-62.
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