Wednesday, October 29, 2008

PFAUENINSEL 2



"Foi numa tarde na Ilha dos Pavões que sofri a minha maior derrota. Tinham-me mandado procurar penas de pavão na relva. Como se tornou mais atraente para mim a ilha enquanto reserva de troféus tão encantadores! Contudo, depois de ter, em vão, revolvido todos os cantos da relva à procura do objecto prometido, fui assaltado por uma sensação de profunda tristeza, mais do que rancor, pelos animais que com as suas plumagens intactas se passeavam diante dos viveiros. Os achados são para as crianças o que as vitórias são para os adultos. Procurara algo que a ilha me dera muito pessoalmente, que me desvendara exclusivamente a mim. Com uma única pena ter-me-ia apoderado da ilha, da tarde, da travessia de barco a partir de Sakrow; tudo isto me teria total e incontestavelmente ficado a pertencer, se tivesse encontrado a minha pena. Perdeu-se a ilha e com ela uma segunda pátria: a terra dos pavões. E, só então, antes de ir para casa, fui capaz de ler nas vidraças reluzentes do palácio os avisos que o brilho do Sol neles deixara: hoje eu não devia lá entrar.
Naquele tempo, a minha dor não teria sido tão inconsolável se não tivesse perdido uma terra ancestral por causa de uma simples pena que me escapou."


Walter Benjamin, Infância em Berlim por volta de 1900, trad. Cláudia de Miranda Rodrigues. Lisboa: Relógio D'Água, 1992, p. 190.

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