Wednesday, April 29, 2009

REGRAS DE VIDA 2

"
152
Os poetas não possuem nada e muito menos as palavras; apenas uma espécie de exílio nas secretas caves delas.

156
Escrevo mas não queria escrever. Falo mas preferia calar-me. O silêncio - uma voz - corre entre o falar e o escrever. É um rumor fabuloso. Que vem de longe, do caos e não da lei, donde vêm as palavras. Escrevo, logo hesito entre falar e calar-me.


157
Escrevi e depois fiquei deserto. Umas palavras e depois cansei-me. Uns grãos de areia, e nada mais. Nalgum deles haverá um caminho. Agora, que me devorei, sou o deserto. Grãos de areia que se acompanham uns aos outros. Não sei como. Vou escutar."


Casimiro de Brito, Fragmentos de Babel seguido de Arte Poética, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2007, pp. 40-41.

Monday, April 27, 2009

NO MOVIMENTO DA FRAGMENTAÇÃO

"Todo este movimento: a comunicação com o sangue, o tempo da morte,
estudar as coisas nos olhos mais velhos,
esconder a família
apavorada por o filho não dar respostas, outros filhos
obscuros com anéis, paus,
bicos, aproximam-se os dias em que as pontas quebradas deixam de ser
chaves e as chaves fechaduras.
Ou devoro isto,
ou me separo sem me reter.
Não desisto enquanto a escrita não se desenvolver por manifestações
sacramentais, a maturidade do susto apertado ser comunhão na encenação
do corpo,
o equilíbrio. O poema
conhece palavras
escuras, o desenvolvimento da violência teórica e
prática à volta delas. Por isso, há nele
luz por todos os lados,
abertura amparada pela boca nas mãos, as mãos habituadas ao som dos
olhos."

António Madureira Rodrigues, A Potência do Meio dos Nós, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2009, p. 29.

Saturday, April 25, 2009

UMA HUMIDADE DE ESQUECIMENTOS


"Un sueño sin faroles y una humedad de olvidos,
pisados por un nombre y una sombra.
No sé si por un nombre o muchos nombres,
si por una sombra o muchas sombras.
Reveládmelo.

Sé que habitan los pozos frías voces,
que son de un solo cuerpo o muchos cuerpos,
de una alma sola o muchas almas.
No sé.
Decídmelo.

Que un caballo sin nadie va estampando
a su amazona antigua por los muros.
Que en las almenas grita, muerto, alguien
que yo toqué, dormido, en un espejo,
que yo, mudo le dije...
No sé.
Explicádmelo."


Rafael Alberti, Sobre los Ángeles, Madrid: Cátedra, 2006, p.113.

Tuesday, April 21, 2009

REGRAS DE VIDA 1


"Salimos de Salamanca, y, llegando a la puente, está a la entrada della un animal de piedra, que casi tiene forma de toro, y el ciego mandóme que llegase cerca del animal, y, allí puesto, me dijo:
-Lázaro, llega el oido a este toro y oirás gran ruído dentro dél.
Yo, simplemente, llegué. creyendo ser ansí. Y como sintió que tenía la cabeza par de la piedra, afirmó recio la mano y diome una gran calabazada en el diablo del toro, que más de trés días me duró el dolor de la cornada, y díjome:
- Necio, aprende, que el mozo del ciego un punto ha de saber más que el diablo.
Y rió mucho la burla."


Anónimo, Lazarillo de Tormes, ed. Francisco Rico, 11ª ed. Madrid: Cátedra, 1996, pp. 22-23.

Monday, April 20, 2009

AND TIME THAT GAVE, DOTH NOW IS GIFT CONFOUND


"Como em praia de seixos as ondas incessantes
assim nossos minutos sempre apressados morrem,
tomando cada um a vez ao que foi antes
e nesse afã contínuo todos prà frente correm.
Vindo ao reino da luz, vai o nascer de rastos
té na maturidade c'roar-se do que é seu,
mas a glória lhe atacam os eclipses nefastos
e o Tempo que antes dera destrói tudo o que deu,
e cava paralelas na fronte da beleza
e rompe o resplendor doado à mocidade,
nutre-se dos tesouros da vera natureza
e as coisas só existem porque ceifá-las há-de.
De esp'rança todavia meus versos ficarão
louvando-te apesar da sua cruel mão."


William Shakespeare, 50 Sonetos, trad. Vasco Graça Moura. Lisboa: Editorial Presença, 2ª edição, 1987, p. 79.

Saturday, April 18, 2009

À FELINIDADE ALUCINANTE


"Comedores das cinzas quentes da linguagem
depois do incêndio sagrado do verbo
vamos espetar os olhos inocentes
nos punhais da paixão. É o nosso direito
à máscara da verdade,
ao verso que alimenta o reverso do poema
onde a morte se vela e se revela em temor,
é o nosso fascínio pela verdade da máscara
porque a paixão devora os lobos devoradores
das imagens da morte à superfície dos espelhos
só não devora o que há de uivante na carne das imagens
e é isso que a devora quando as imagens amam

é assim que a paixão se alimenta de gritos,
gritos inconcebíveis impossíveis de gritar
no interior do silêncio do amor como carne
que destrói em seu salto de felinidade
alucinante."


Laureano Silveira, Os Secretos Felinos, Porto: Limiar, 1991, p. 33.

Wednesday, April 15, 2009

VÁRIOS TRIUNFOS EM MANEIRISMO CONTEMPORÂNEO



"Triunfa a Fama de plumas
Golpeando as armas do tríptico extenso,
Animal que tolda o som épico.

Triunfa a Eternidade sacra e luminosa,
Rasga no azul o azul que persegue,
A convicção anterior, simpleza e
Desproporção.

Triunfa a Castidade inacessível,
Complacência que se estende
Por frisos de trama para um tear
De bordaduras largas.

Triunfa a Morte no mosaico intenso
Desdenha e intercala-se com personagens insípidas
A inculcar desígnios.

Triunfa o Tempo, músculo saliente
De um discóbolo, o portal do fogo."


José Emílio-Nelson, "Absorção da Luz", in A Alegria do Mal, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, p. 78.

Thursday, April 9, 2009

QUINTA-FEIRA SANTA


"Hubo luz que trajo
por hueso una almendra amarga.

Voz que por sonido,
el fleco de la lluvia
cortado por un hacha.

Alma que por cuerpo,
la funda de aire
de una doble espada.

Venas que por sangre
yel de mirra y de retama.

Cuerpo que por alma,
el vacío, nada."


Rafael Alberti, Sobre los Ángeles, Madrid: Cátedra, 2006, p.88.

Monday, April 6, 2009

BEATITUDE


"Envolvendo-me na divindade
Acendida. Atormentando-me. Beatitude
(De que me separo)
Ressurge incandescente e falante
Até que me redima na prece
Escreve Deus neste aparo
O grito inquieto fatigante.
(Ó Virgem e madre benigna formosíssima!)"


José Emílio-Nelson, "Absorção da Luz", in A Alegria do Mal, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, p. 76.

Friday, April 3, 2009

SAUDAÇÃO PARA AQUELES QUE SE OCULTAM


"Aqueles que se ocultam são promíscuos
alteram o perfil da contingência
e neles a ignorância é um olho
vazado pelo ácido do conhecimento.

Estão à sombra de novelos
que apenas sabem contemplar
pelo receio do desvendamento intolerável
de um fim
já terão consumido os seus brancos
futuros
dos quais hão-de extrair ensinamentos
preciosos. Mas a memória é um náufrago
absurdo agarrado
a pavorosos e absurdos pedaços
de nada.

Tendo sido impedidos de apreciar
o grito
dizem em voz sonâmbula:
- A palavra é uma categoria
da solidão
na qual o mundo esculpe

ambiciosamente
as suas máscaras."


Laureano Silveira, Os Secretos Felinos, Porto: Limiar, 1991, p. 21.

Wednesday, April 1, 2009

DE MENDACIO, PENSANDO UMA VEZ MAIS EM BERNARDO SOARES

"Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus os proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. (Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte.») Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer directamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência."


Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano, trad. Paulo Osório de Castro, Lisboa: Relógio D'Água, 1997, 54, p. 76.