"Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus os proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. (Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte.») Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer directamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência."
Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano, trad. Paulo Osório de Castro, Lisboa: Relógio D'Água, 1997, 54, p. 76.
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