Sunday, June 28, 2009

CHEGOU O TEMPO DE EXALTAR


"...Oh! Chegou o tempo de exaltar!
A minha fronte sob as mãos amarelas,
a minha fronte, lembras-te dos suores nocturnos?
da meia-noite sem febre e de um gosto aguado?
e das flores da aurora azulada a dançar nas pequenas enseadas da manhã,
e da hora do meio-dia, mais barulhenta que um mosquito, e das flechas
lançadas pelo mar das cores...?

Oh chegou o tempo! Oh chegou o tempo de exaltar!
Havia no cais altos navios de música. Havia promontórios
de campeche; frutos silvestres que rebentavam... Mas o que fizemos
dos altos navios de música que havia no cais?"


Saint-John Perse, Elogios, trad. Jorge Melícias, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002, p. 35.

Sunday, June 21, 2009

ESTADOS DO ESPÍRITO


"4. Mas vale estar cargado junto al fuerte que aliviado junto al flaco: cuando estás cargado, estás junto a Dios que es tu fortaleza, el cual está con los atribulados; cuando estás aliviado, estás junto a ti que eres tu misma flaqueza; porque la virtud y fuerza del alma en los trabajos de paciencia crece y se confirma.

12. Más quiere Dios de ti el menor grado de pureza de conciencia que cuantas obras puedes hacer."


San Juan de la Cruz, Dichos de Luz y Amor, introd. y transcr. de José Vicente Rodríguez (facsímil del codice de Andújar), Madrid: Editorial de Espiritualidad, 1976, pp. 36-37.

Wednesday, June 17, 2009

HUMANA PERDIÇÃO A FROUXA LUZ

"e foi assim que tudo se tornou demasiado,
os teus ouvidos seguiam a respiração dos que
ainda mexem na memória, a margem fora
retirada, os papéis ficaram, a roupa gravada
com o código dum olhar ferido a tempo para outro
sonho de acesso reservado, ainda os cheiros,
a calor das máquinas, a sensação de algo que
suplanta o que nós somos e a névoa a retirar-se
com saudade à flor do dia calmo, não sei se choramos,
se mentiste, humana perdição do amor e frouxa
luz, que adianta morrer se não é agosto que nos falta,
a tarde mais ao fundo da nossa mais que louca
fantasia? Os cães desesperados pedem-nos para
entrar, minha amiga dos vestidos, de todas
as humanas tentações, agora é a tua vez
de acreditar na mais medonha face da
alegria"


Rui Costa, A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005, p. 57.

Sunday, June 14, 2009

A FALTA DE QUEDAS



"Mas em baixo tudo fala e nada se ouve. Pode anunciar-se a sua sabedoria com o toque dos sinos: os merceeiros do mercado hão-de cobri-la com o barulho das suas moedas!
Todos falam e ninguém já sabe compreender. Tudo cai à água, nada cai nos poços profundos."


Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, trad. M.de Campos, 2ª edição. Mem Martins: Publicações Europa-América, s.d., pp. 181-182.

Tuesday, June 9, 2009

A MAGNÓLIA JUNTO AO BANCO PERMANECE

"6

O tesouro é então a magnólia segredada entre nós dois
É o canto que circula entre os lábios, a seiva
Entre o nosso cérebro e o seu próprio coração.
O coração do poema é a magnólia ao vento. Abro
Os braços, as veias, e digo
Tu que te abrigas fora da casa. E a minha promessa
É esta - o banco que de pedra existe
Junto da magnólia permanece
Mesmo quando a sombra
Seca. E o pássaro parte. E a flor
Depois das chuvas não vem."


Daniel Faria, Dos Líquidos, in Poesia, ed. Vera Vouga, 3ª ed. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2009, p. 332.

Monday, June 8, 2009

SOBRE ESTE DIA, A LÂMPADA


"Longe de tudo quanto amo, sonho
Amigos, longe, como foram dantes:
Vivos ainda
E em dor de mais um dia separados."



Ruy Cinatti, "O Livro do Nómada Meu Amigo", in Antologia Poética, ed. Joaquim Manuel Magalhães, Lisboa: Editorial Presença, 1986, p.54.

Sunday, June 7, 2009

PEDIDO



"Precisava de falar-te ao ouvido
De manter sobre a rodilha do silêncio
A escrita.
Precisava dos teus joelhos. Da tua porta aberta.
Da indigência. E da fadiga.
Da tua sombra sobre a minha sombra
E da tua casa.
E do chão."


Daniel Faria, Poesia, ed. Vera Vouga, 1ª edição. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2003, p. 20.

Wednesday, June 3, 2009

PARA L., QUE TEM DE ACEITAR


"Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente

Como cisne que se prepara
Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens."


Daniel Faria, Dos Líquidos, 2ª ed., Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2003, p. 124.

Tuesday, June 2, 2009

2/3-06



"Apaga-me os olhos: inda posso ver-te,
tranca-me os ouvidos: inda posso ouvir-te,
e sem pés posso ainda ir para ti,
e sem boca posso inda invocar-te.
Quebra-me os braços, e posso apertar-te
com o coração como com a mão,
tapa-me o coração, e o cérebro baterá,
e se me deitares fogo ao cérebro
hei-de continuar-te a trazer no sangue."


Rainer Maria Rilke, Poemas, trad. Paulo Quintela, 5ª edição. Porto: Edições Asa, 2003, p. 99.