Tuesday, April 19, 2016

HABITÁCULO



"senhor / constrói a minha casa aqui
onde nada dura onde o fruto cessa o aroma
onde a ave cega redesenha o seu caminho
e o amor um tentáculo de algas daninhas
e as folhagens grudadas na pele dum corpo
de divino carvão

senhor / o meu inimigo agora é visível
e ele tem os olhos moídos e nervosos
as sandálias inglórias e espessas de lama 
ele vem de uma longa caminhada
ele não precisa de descanso
ele recebe afeto do vil metal
ele é comprado e isto basta

senhor / o meu corpo não requer apenas abrigo
requer o brilho abatido de uma água fria
uma tarde promíscua e rasgada de sol
para que não praguejem contra a ternura
para que não acendam fogueiras no irracional

a minha casa será aqui onde me deitarei
por mais este dia"


Flávio Caamaña, Aquedutos, São Paulo: Patuá, 2016, p. 40. 

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