Tuesday, May 11, 2021

QUIMERA


"«Encerra n'uma aldeia o teu destino, poeta; 
N'aldeia a f'licidade é virginal, completa.
Onde a alma conserva a eterna mocidade, 
A fina flor da luz da sensibilidade, 
Onde a boca não mente e o coração não chora, 
Onde a água é mais pura e mais vermelha a aurora, 
Aonde a gente encontra aquilo que eu mais amo, 
- Ninhos em cada peito e aves em cada ramo, 
Aí, poeta, aí é que é viver tranquilo!
Hás de encontrar n'aldeia um perfumado asilo. 
Canta a boa inocência, as rosas, as searas, 
Os mansos animais, as vivas cores claras, 
A abundância, a alegria, o vinho, a formosura, 
E os beijos sensuais e a húmida candura
Do transparente olhar da tua linda amante!
O poeta é como o aroma: o aroma inebriante
Enche o mar, enche a terra, enche o céu, enche tudo, 
E cabe, santo Deus! no leito de veludo, 
Nos rubros corações das pequeninas flores!»

- Não costumam dormir nas rosas os condores."


Guerra Junqueiro, A Morte de D. João, 10.ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1921, pp. 16-17. 

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