"Quando Vénus Urânia emergiu das ondas ficou lá um buraco do tamanho de um homem. Estrelas-do-mar, um prego enferrujado, minúsculas armações que em vida tinham sido famélicos peixes aderiram às partes lívidas e frescas que a lindíssima deusa abrira em pleno oceano. Ninguém tapou aquela espécie de vácuo e por expressa ainda que ignota determinação cósmica Titânia nasceu ali. Claro está que ao nascer aquele corpo novo - e bem diferente, diga-se, de tudo o que os peixes miravam e a lua buscava iluminar naquela noite oceânica, escura como eu - não nasceu nada que se aproveitasse: aquele corpo seria o de Titânia, não era ainda o corpo de Titânia. Dentro das proporções que lhe cabiam tinha salas enormes, cheias de portas e passagens secretas. Abria-se uma - fechavam-se mil. Abria-se outra: ficavam sempre muitas por abrir. Só no fim das salas todas corridas se saberia exacto o nome que havia de convir à recém-chegada.
Ficou assim a nada-viva muito quietinha sobre o meio das ondas. Às vezes olhava para cima, outras vezes olhava para os lados e para baixo, a ver o que era e o que não era. Ia assim dando conta do recado. Mas pouco mais alcançava do que paredes-líquenes, aranhas-de-avental, estrelas-do-mar - azuis!- a que às noites porém vinham juntar-se as estrelas do ar, que estão no céu."
Mário Cesariny, "Titânia - História Hermética em Três Religiões e um Só Deus Verdadeiro com Vistas a Mais Luz Como Goethe Queria", Lisboa: Assírio & Alvim, págs. 11-12.
No comments:
Post a Comment