Tuesday, April 8, 2008
A ESCURIDÃO, A NUDEZ, A FORÇA DE SER-SE VULNERÁVEL
"Acordados, que máscara pode ser o nosso rosto?
- Se não nos atrevemos a defrontar ninguém
com nossa límpida nudez,
se o que somos a nós próprios ofende
e nem tentamos reparar quando nos injuriamos.
Ou, sem o confessarmos, vacilantes,
afastamo-nos de nossa condição, nosso desejo,
e continuamos,
configurando o alguém
que soterra quem somos.
O sono traz a força de ser-se vulnerável:
deitamo-nos, não tardamos a abdicar
da memória e do nosso frágil ceptro,
da ficção de usar um nome.
E abandonamo-nos a um regaço que engoda,
sem sabermos a quem pertencerá.
A escuridão vem insinuar
seu láudano,
as pálpebras deslassam-se:
morada somos, sem paredes,
- janelas ávidas sobre o abismo.
Contudo, morada irrespirável."
(...)
José Bento, Silabário, Lisboa: Relógio D'Água, 1992, p. 109.
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