"Entre mim e as coisas mediavam ínfimos e fraternos sentimentos, que eram elas continuando-se no meu ser; ou ele a prolongar-se em árvores, montes e penedos e, no distanciamento infinito, em lágrimas e lágrimas acesas.
Eu não tinha ainda essa existência individual, definida ou isolada num pequeno espaço material. A existência, como todos os calhaus, é um produto da razão, que nasce, por sua vez, da acção da realidade sobre nós, porque o homem é o único animal impressionável à acção da realidade, o único animal racional. Os outros animais não sofrem desilusões, os contactos brutos e dolorosos que nos dão a consciência do mundo exterior.
A infância é uma nuvem, como a velhice é uma pedra: nuvem que abrange tudo, pedra que tudo restringe à sua forma dura e recortada."
Teixeira de Pascoaes, Livro de Memórias, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 65.