"Eu não vos tenho medo, ó pallidas creanças,
Que verteis sobre mim lagrimas compungidas
E negras maldições, agudas como lanças,
Chorae, desenrolae as vossas longas tranças,
Levantae para o céu as mãos arrependidas,
Que eu não vos tenho medo, ó brancas Margaridas,
O' sombras immortaes das pallidas creanças.
Eu hei de ir para o céu por mal dos meus peccados:
O céu é hoje em dia um velho pardieiro,
Um grande casarão, sem vidros, sem telhados,
Aonde vão dormir os corpos arruinados
Que já não têm saúde, e já não têm dinheiro.
Quem andou pela terra em misero abandono,
Aos encontrões da sorte, ao vento, á chuva, aos frios,
A velha meretriz, os magros cães sem dono,
Os rotos histriões, os santos e os vadios,
Todos lá vão dormir o derradeiro somno."
Guerra Junqueiro, A Morte de D. João, 10ª ed., Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1921, p. 269.
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