"Não, o homem feliz não é o que tem camisa, como o da história que Padre Barnabé nos contava, no seminário. O homem feliz é o que não tem passado. O maior dos castigos, para o qual só há pior no inferno, é a gente recordar. Lembrança que vem de repente e ataca como uma pontada debaixo das costelas, ali onde se diz que fica o coração. Alguém pode ter tudo, mocidade, dinheiro no bolso, um bom cavalo debaixo das pernas, o mundo todo ao seu dispor. Mas não pode usufruir nada disso, por quê? Porque tem as lembranças perturbando. O passado te persegue, como um cão perverso nos teus calcanhares. Não há dia claro, nem céu azul, nem esperança de futuro, que resista ao assalto das lembranças."
Rachel de Queiroz, Memorial de Maria Moura, Lisboa: Edição «Livros do Brasil», 1994, p. 188.
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