"- Corrupção, decomposição - repetia Hans Castorp -, mas isso é um processo de combustão, se não estou em erro, combinação com o oxigénio.
- Absolutamente correcto. Oxidação.
- E a vida?
- Também. Também essa, meu caro. A vida é, na sua essência, uma mera combustão das proteínas celulares, combustão essa que produz o calor animal que tanto nos agrada, do qual alguns de nós sofrem em demasia. Pois é, viver é morrer, não há como embelezar essa evidência - une destruction organique, como certo francês uma vez o formulou na sua leviandade inata. E é o cheiro que ela tem, a vida. Se não temos essa impressão, é porque o nosso juízo se corrompeu.
- E se nos interessarmos pela vida - ensaiou Hans Castorp - interessamo-nos também pela morte, não é verdade?
- Bom, em todo o caso, subsiste sempre uma certa diferença entre elas. Há vida quando a forma se conserva no devir da matéria.
- Mas para que queremos conservar a forma?
- Para quê? Bem, olhe que não há humanismo nenhum no que acaba de dizer.
- A forma é afectação.
- Não há dúvida de que o senhor hoje está muito resoluto. Verdadeiramente desenfreado. Mas basta por hoje - disse o conselheiro. - Estou a ficar melancólico (...)"
Thomas Mann, A Montanha Mágica, trad. Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009: p. 302.
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