Tuesday, September 1, 2009

O DEUS CERCADO



"Um homem que morre é o menos manipulado dos homens. A sua solidão é irreversível e impede-o de confundir a opção com a experiência. Os moribundos todos se parecem nessa infinita certeza duma situação feita já não de palavras mas de zumbidos e o gotejar de pingos de vento, no ouvido; um vento em que se enrola o profundo uso da vida; a crueldade faz-se um vão desperdício, o gesto humano, que foi carícia ou ameaça, solta-se como disperso duma grande máquina e deserta do seu sentido inicial. A viagem do moribundo é mais longa que a existência mais duradoura; em poucos minutos ele percorre espaços imensos, e tem encontro com formas que reconhece sem nunca lhe ser permitido imaginá-las. Todo o homem que morre é um deus cercado de poderes que teve e não gozou, porque temeu a sua divindade."


Agustina Bessa-Luís, O Mosteiro, 5ª edição. Lisboa: Guimarães Editores, 2005, p. 175.

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