Sunday, September 20, 2009

OPORTUNIDADE DE RESPOSTA


"E um dia, ao saber Camilo céptico, Camilo com noites de sombrio desespero, palpando a coronha do revólver, não foi de propósito procurá-lo para lhe pregar Deus?
Era uma dessas tardes trágicas de Seide, de que o grande escritor fala nos Serões. A natureza chorava revolvida: a acácia de Jorge batia-lhe devagarinho nos vidros. Quem é que o chama? Atormentado de dores, ouve vozes, vê fantasmas, e sai do horror com blasfémias e sarcasmos. Junqueiro encontra-o mergulhado na dolorosa tinta do crepúsculo, com a pala que escrevia sobre os olhos, absorto, calado, desesperado, o rosto marcado de dedadas, «esboçado numa argila cor de mel», segundo o retrato de Ricardo Jorge. Eu tinha-lhe medo... O poeta tenta arrancá-lo ao negrume que o envolve: desenrola teorias, explicações, argumentos; ataca-o a fundo, persuade-o talvez... Já o julga abalado e convertido, quando dessa figura, só osso e dor, saem enfim estas palavras irónicas:
... - Sim, sim, Junqueiro, você convencia-me se eu não tivesse ainda no estômago, desde o almoço, três bolinhos de bacalhau, que me estão aqui como três Voltaires."


Raul Brandão, Memórias (Tomo I), vol. I. Lisboa: Relógio D'Água, 1998, pp. 60-61.

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