Friday, October 16, 2009

UM AMAR ENTRE ZUMBIDOS E BARAFUNDA - PARA MARIA AGUSTINA



"Estrelas de um verde irisado e claro tremem nos altos. O vento treme, tremem as sarças sobre as quais as libélulas morreram ao fim do dia. É amargo partir, é amargo voltar. Nesta treva onde se movem ventos silenciosos, eu conheço a terra mais do que nunca estranha e amada, bloco de esquecida falésia, rasto perdido onde, como dedos de sal, aponta um humanismo esperançado, porém triste. Neste planalto onde vêm morrer as vozes dos lugares, das casas fumacentas, das encruzilhadas em que lentamente passam os gados, surpreende-se de súbito uma espécie de idílio desgraçado com o tempo, o mundo, as próprias estrelas esverdeadas. Um idílio patético e interminável, um amar entre zumbidos e barafunda, um estar sozinho no coração de toda a gente. É assim a vida e a morte. Um regresso de parte nenhuma, um encontro com a contradição. Então saúdo a terra escura, o vento escuro, a solidão e o medo."


Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula, Lisboa: Guimarães Editores, 2009, p. 335.

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