Monday, November 30, 2009

TERMINAR NOVEMBRO COM HUMOR AND WIT



"O Mardel conta que a velha viscondessa de A., que teve uma vida dos diabos, costumava dizer aos filhos quando eles a arreliavam:
- Se os meninos não tomam juízo mando-os para casa de seus pais."


Raul Brandão, Memórias, Tomo II, Vol.I, ediç. José Carlos Seabra Pereira, Lisboa: Relógio D'Água, 1999, p. 88.

Sunday, November 29, 2009

VISÃO FILTRADA PARA AS ESTRELAS E AS NUVENS



"Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas."


Manuel Bandeira, "O Rio", in Antologia Poética, 18ª ed., Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 1987, p. 140.

Friday, November 27, 2009

A MORAL DO TRÁGICO, OS LIMITES DO SEXO



"Começou então um período de sofrimento tão violento que ninguém podia aproximar-se sem ser altamente contaminado; porque o sofrimento como carência atinge um grau que tem, por força, de procurar em seu redor terreno onde vaze o seu excedente, como o prazer também. É esta a moral do trágico, a cumplicidade do desejo e o seu discurso; os baluartes da sedução, não cedendo, inventam a histeria que toda a sociedade compartilha. Aqui é preciso esclarecer que a sociedade que produziu uma lei e uma forma de relação cooperante com os outros, relação de trabalho e de protecção mútua, observa o sexo como malefício. Sabe que não é possível desmistificar o sexo e que só o pode nomear pela tangente do burlesco e da formalidade mais severa. Doutro modo, seria arrastada pelas guelras, até às profundezas da área aquática e abissal em que o sexo se liquida. Um mundo que é sexualmente claro e demonstrado é um mundo em extinção. A natureza vinga-se quando é invocada sem competente temor. O medo é um protector, nunca um lacaio."


Agustina Bessa-Luís, A Corte do Norte, 2ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1996, pp. 139-140.

Thursday, November 26, 2009

NOVA FONTE HELICÓNICA


"I

Ninguém duas vezes passa o rio
porque os rios se afastam para morrer
ou, correndo nós,
vivemos, disséssemos,
com os rios morrendo.

E com o nível posto
na baixa altura da nascente
incorressem os vivos e
corressem os mares que não
se ajuntam mais, na mesma igualdade
longínqua.

II

Dentro de dias morre
mais alguém
para o hermético triunfo
das paisagens.
Então os sítios vão
subindo
povoam-se e entreolham-se
desencantam-se.

A órbita apodrece
descrê-se o sol."


Luiza Neto Jorge, "Os Sítios Sitiados", in Poesia, org. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, pp. 149-150.

Sunday, November 22, 2009

LINGUAGEM DE PARAÍSO SACRO-PROFANO

Tiestes

Acredita-me, a grandeza seduz usando falsos nomes,
e não é razoável temer-se a vida dura. Enquanto estive no [trono
nunca cessei de ter medo, até receava a espada
que me pendia do flanco. Oh, como é bom
não ser obstáculo para ninguém, tomar as refeições em [segurança,
reclinado no chão! Nas cabanas não tem lugar o crime,
é seguro o alimento tomado numa mesa exígua.
O veneno bebe-se em taças de ouro: falo por experiência!
Sou livre de preferir o infortúnio à riqueza.
Ante a minha casa, alcandorada no cume
de alto monte, não treme a população humilde;
não tenho palácio enorme o esplendor do marfim
nem careço de guardas de corpo para proteger o sono;
não pesco com uma esquadra, não faço recuar o mar
lançando-lhe molhes, nem alimento um ávido ventre
à custa dos povos tributados; nenhum latifúndio
possuo para lá do país dos Getas ou dos Partos;
não sou incensado, nem, em detrimento de Júpiter,
em minha honra se ornamentam altares; não tenho jardins [suspensos
onde balance um bosque plantado, nem fumegantes lagos
aquecidos por grande multidão, não dedico o dia ao sono,
nem passo a noite acordado entregue a Baco!
Não causo medo a ninguém, a minha casa inerme está [segura,
na minha modéstia gozo de um profundo sossego.
O cúmulo do poder é passar sem ele!"


Séneca, Tiestes, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Verbo, 1996, p. 78.

Saturday, November 21, 2009

OITO FORMAS DE METAFÍSICA


"A tragédia do filósofo consiste em saber encontrar a ideia por detrás dos sinais, comunicar a sua experiência e intuição metafísica com as velhas palavras destinadas a actuar sobre o mundo exterior ou descrevê-lo. E quanto mais original é o seu pensamento mais as palavras o traem. Uma nova filosofia é com frequência uma nova terminologia, e nem sempre por intenção vaidosa, mas por necessidade, e a ilusão, que têm todos os grandes, de criar a sua própria linguagem.
A admiração universal pelos poetas -, que, na maioria dos casos, coexiste com a incompreensão quase total - nasce da maravilha de ver capturadas em formas harmoniosas os fragmentos de sensibilidade e paixão que parecem, a todos, inexprimíveis. Mas os próprios poetas sabem bem, e confessam-no, que puderam dizer porventura uma de mil partes de todo o mundo rico e prodigioso que têm em si. (...)
O pouco que arrasta, com as redes desfiadas do idioma materno, assemelha-se a um punhado de conchas quebradas em relação à riqueza fabulosa do fundo. O maior mestre de palavras é aquele que reconhece a sua própria impotência para dizer tudo com elas."


Giovanni Papini, Relatório Sobre os Homens, trad. Eduardo Saló, Lisboa: Livros do Brasil, 1986, p. 225.

Thursday, November 19, 2009

CORTE NO INFINITO



"They enter as animals from the outer
Space of holly where spikes
Are not the thoughts I turn on, like a Yogi,
But greenness, darkness so pure
They freeze and are.

O God, I am not like you
In vacuous black,
Stars stuck all over, bright stupid confetti.
Eternity bores me,
I never wanted it."


Sylvia Plath, Ariel, trad. Maria Fernanda Borges. Lisboa: Relógio D'Água, 1996, p. 146.

Tuesday, November 17, 2009

REDACÇÃO ORIENTAL SOBRE O OUTONO

"O Outono não se caracteriza apenas pela queda das folhas, mas também pelo declínio das forças vitais de todos os seres, incluindo o homem.

A Via Láctea torna-se mais nítida. Todavia é a lua a alma desta estação. Na sua remota proximidade adensa o mistério da nossa existência. O vento soa também de maneira diferente e nele podemos surpreender, por vezes, o murmúrio da própria morte.

Os gritos dos insectos ecoam por todo o lado. Mas são os crisântemos, com a beleza das suas folhas e das suas flores e o seu perfume forte e esotérico, a referência dominante da estação, logo a seguir à lua."


Matsuo Bashô, O Gosto Solitário do Orvalho seguido de O Caminho Estreito, versões e introd. Jorge Sousa Braga, Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p. 39.

Monday, November 16, 2009

NOVEMBRO, CONTEÚDOS OBSCUROS 3


A TIA



A certeza é gravidade. A certeza torna as coisas mesquinhas. Se tivéssemos a certeza de que a eternidade existia, ela tornava-se logo numa estação balnear e mais nada.



SÖREN


Imagina a eternidade como objecto de fantasia?




A TIA
Não a imagino: antecipo-a.




SÖREN



A profundidade da sua intuição corrige os erros da minha inteligência."



Agustina Bessa-Luís, Estados Eróticos Imediatos de Sören Kierkegaard, Lisboa: Guimarães Editores, 1992, p. 58.

Friday, November 13, 2009

NOVEMBRO, CONTEÚDOS OBSCUROS 2


"Deus não gosta da superstição. As demonstrações, nesta matéria, podem ser inúmeras.
Deus não gosta da superstição, mas pode muito bem servir-se dela, e mesmo da libertinagem, para os seus fins."


Philippe Sollers, Casanova, o admirável, trad. Maria Irene Bigotte de Carvalho, Lisboa: Editorial Notícias, 1999, p. 49.

Thursday, November 12, 2009

THE ANGEL STANDING IN THE SUN, PRIMEIRA MEDITAÇÃO A PROPÓSITO DE TURNER



"Como seres tradutores, os homens despertam para o mundo; como seres que passam, dão formas às suas linguagens metafóricas e metafísicas através das quais passam à expressão pontos de vista sobre a totalidade; como animais que mudam de elemento, desenvolvem a sua tensão característica num algures que vagueia na sua mente como uma terra de saudade e de procura; como sujeitos de insegurança no elemento, os homens desenvolvem-se em animais metafísicos problemáticos que ocasionalmente se extraviam na sua inclusão no mundo; como seres que se podem extraviar do seu elemento, esforçam-se em encontrar remédios para a certeza de se encontrarem fora do lugar e num elemento que não é o deles"

Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo, trad. Ana Nolasco, Lisboa: Relógio D'Água, 2008, p. 55.

Wednesday, November 11, 2009

LE SEIGNEUR EST MON SOUTIEN

"Quand Martin eut passé Milan, le diable se présenta devant lui sous une forme humaine et lui demanda oú il allait. Le saint répondit qu'il allait où le Seigneur l'appelait; alors le diable lui dit: «Partout où tu iras, tu rencontreras le diable pour te contrarier. » Martin lui répliqua: «Le Seigneur est mon soutien, et je craindrait point ce que l'homme pourra me faire», et à l'instant le diable s'évanouit."


Jacques de Voragine, La Légende Dorée, tom. II, trad. J.-B. M. Rose. Paris: Flammarion, 2001, p. 337.

Tuesday, November 10, 2009

O CÉU SOBRE BERLIM (2008)



"Nos fins de tarde de Inverno, em Berlim, a minha mãe levava-me, às vezes, às compras. Era uma Berlim escura e desconhecida que se estendia à minha frente à luz dos candeeiros. Ficávamos no Velho Ocidente, cujos arruamentos eram mais simples e modestos do que aqueles que mais tarde vieram a ser os preferidos. As varandas e as colunas já não se viam muito bem, mas havia luz nas fachadas. Fosse através das cortinas de musselina, das persianas ou até da camisa do candeeiro de sala, aquela luz pouco revelava acerca dos quartos iluminados. Não tinha nada a ver com nada, apenas consigo própria. Atraía-me e fazia-me pensar. Hoje, ao recordá-la, ainda exerce o mesmo efeito sobre mim. Transporta o meu pensamento para um dos meus postais ilustrados. Este mostrava uma praça de Berlim. As casas que a circundavam eram de um azul suave, o céu nocturno, onde se via a lua, era de um azul mais escuro. A lua e todas as janelas representadas no azul deste postal eram transparentes. Tinham de ser olhados diante de um candeeiro para que um clarão amarelo irrompesse das nuvens e das fileiras de janelas. Não conhecia a zona representada. A legenda dizia "Porta de Halle". Porta e átrio nela se reuniam, formando a gruta iluminada na qual encontro a recordação da cidade de Berlim no Inverno."

Walter Benjamin, Infância em Berlim por volta de 1900, trad. Cláudia de Miranda Rodrigues. Lisboa: Relógio D'Água, 1992, pp. 178-179.

Sunday, November 8, 2009

NOVEMBRO, CONTEÚDOS OBSCUROS 1


"O palácio encerrava tudo, como um grande túmulo ornamentado, talhado em pedra, em que ossos de gerações se deterioravam, onde se desfaziam vestidos fúnebres de mulheres e de homens de outros tempos, de seda cinzenta ou de pano negro. Encerrava em si o silêncio, como um preso religioso que apodrece desmaiado na palha pútrida, numa masmorra, de barba comprida, esfarrapado e coberto de bolor. E encerrava a memória, a memória dos mortos que se ocultavam nos recantos ocos dos quartos, como se ocultam os fungos, a humidade, os morcegos, a ratazanas e os insectos nas caves húmidas das casas muito velhas. Sentiam-se nos puxadores das portas o tremor de uma mão, a emoção dum momento passado quando a mão hesitava em puxar essa maçaneta. Todas as casas onde a paixão tocou com a sua força arrebatadora se enchem desse conteúdo obscuro."


Sandór Márai, As velas ardem até ao fim, trad. Mária Magdolna Demeter, 16ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008, p. 23.

Thursday, November 5, 2009

NAVEGAÇÃO PELA NOITE SEM SONO


"Os primeiros vislumbres avistados por Colombo e que ele tomou por terra provinham de uma espécie marítima de pirilampos que põe os seus ovos entre o pôr do Sol e o nascer da Lua, pois a terra não podia estar ainda visível. Mas são bem dela essas luzes que agora adivinho, durante essa noite sem sono, passada no tombadilho à espera da América."


Claude Lévy-Strauss, Tristes Trópicos, trad. Gabinete Literário das Edições 70, Lisboa: Edições 70, 1993, p. 70.

Monday, November 2, 2009

DIA DOS VIVOS



"Não há bosque ou sombra
para os que escapam, nem vale deserto
para os que desejam ficar sozinhos.
Pertencemos a uma terra onde a
ninguém é possível perder-se."



João Miguel Fernandes Jorge, a jornada de cristóvão de távora segunda parte, Lisboa: Editorial Presença, 1988, p. 102.