Wednesday, June 16, 2010

ESQUECERÁS


"Esquecerás o tempo magnífico esquecerás que todos os teus actos
necessários e isolados o único de que verdadeiramente depende a
tua vida
o mar o pleno dia o que em novembro da areia vai restando
esferovite raízes de árvore os frascos de óleo fula corroídos
algas um braço de boneco tanta coisa mesmo tanta coisa.

Esquecerás ou não algumas notas mais sobre a justiça vindas
dos Princípios da Moral de David Hume que nunca leste mesmo sabendo
a praia tantas vezes tão deserta
o livro ali pousado marcado há tantos anos pela carta um «valete
de copas que quer dizer» tem que ver com as vias mais profundas
os ruídos que correm ou os que vivem na mesma cavidade da árvore
termo oposto por entre este tempo magnífico
esquecerás.
Esquecerás ou não as formas dos termos animais o céu a terra a
própria paz. Tu próprio um conto de ladrões e mentirosos
atrevido intérprete
um pequeno quarto talvez uma janela sábado ou antes
uma porta aberta sobre o mar entre-aberta sobre as rochas
sobre uma manhã de chuva
uma pequena porta, mesmo, esquecerás."


João Miguel Fernandes Jorge, "Direito de Mentir", in Obra Poética, vol. 3, 2ª ed., Lisboa: Edit. Presença, 1988, p. 96.

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