"- Tudo isso é complicado porque decorre no tempo - aquela coisa estranha que nos faz sentir as coisas mais banais como novas, desconhecidas e estranhas - tentei colocar-me à altura do seu discurso.
- O mundo é-me estranho e desconhecido como um moinho abandonado logo após a sua construção: um templo invisitável. Mesmo observando a minha fotografia reparo que a metade direita exprime admiração e medo e a esquerda - firmeza e desprezo. O mais angustiante é que não se vislumbra nenhuma conexão entre as duas. A vida não me atrai. Porque não consigo distanciar-me o suficiente dela. E andamos juntos por caminhos paralelos e sinuosos mas nenhuma sinuosidade é suficiente para nos vislumbrarmos embora por instantes. É apenas um sentimento de que estamos acompanhados - uma sensação que não vem directamente dos sentidos, mas das confabulações da razão.
- A vida pessoal é acidental, ocasional, inesperada. Não passa de imitação da experiência social. Todas as convicções em contrário têm carácter de emergência e não de espontaneidade - a vivência "pessoal" tira ao indivíduo a máscara para dele fazer uma pessoa. Descrever o tédio não é agradável. A descrição é a única parte visível deste corpo que se desloca, rápida ou lentamente, mas sempre limitado por obstáculos, irreconhecíveis de tão banais, de tão conhecidos, de tão longe ou tão perto num passado que não passa e se mantém estendido como névoa e que pelo artifício do sol se afigura imóvel ao deslocar as paisagens... É uma verdade abismal! Não entende?"
Dimíter Ánguelov, Partida Incessante, Lisboa: Edições Nova Ática, 2001, pp. 27-28.
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