Wednesday, October 31, 2012
TOD
"Eu não acredito na morte. Morrendo a toda a hora,
Fui encontrando sempre uma vida melhor."
(Ich galube keinen Tod; sterb ich gleich alle Stunden,
So hab ich jedesmal ein besser Leben funden.)
Angelus Silesius, A rosa é sem porquê, trad. José Augusto Mourão, Lisboa: Vega, 1991, pp. 32-33.
Tuesday, October 30, 2012
LIFE LIVES US, NOT WE LIFE WE
" Life lived us, not we life We, as bees sip,Looked, talked and had. Trees grow as we did last.We loved the gods but as we see a ship.Never aware of being aware, we passed."
(A vida nos viveu, não nós a ela. Como abelhas a sugarOlhámos, falámos e gozámos. Árvores cresceram enquanto duramos.Amámos os deuses como um navio em nosso olhar.Nunca cientes de cientes sermos, assim passámos.)
Monday, October 29, 2012
PIRATAS
Anthony Burgess, A laranja mecânica, trad. José Luandino Vieira, 4ª ed., Lisboa: Edições 70/Planeta De Agostini, 2002, p. 39."Mas, irmãos, isso de estar a roer as unhas dos pés até descobrir a causa da maldade, é isso que me faz ser um bom máchico sorridente. Se eles não se interessam pelas causas do bem, porque se interessam pelo vice-versa? Se as liúdes são boas, é lá com elas, gostam disso, e não sou eu que lhes desmancho os prazeres, mas vice-versa. E eu era advogado do vice-versa. Isto sem levar em conta que a maldade faz parte do eu, do ego, do tu e do mim em nossas lidões-ai-dões. E o eu foi criado pelo velho Teos ou Deus, e constitui seu grande orgulho e radóstia. Mas os do não-eu não podem aceitar o mal. Quer dizer: os do governo, e os juízes, e os professores. Eles não podem permitir o mal porque não podem transmitir a individualidade. E não é, irmãos, toda a história moderna, a história de malenques mas corajosas individualidades em luta contra essas grandes engrenagens? É a sério que vos falo, irmãos. Mas o que faço, faço-o, porque tenho gosto no que faço."
Sunday, October 28, 2012
O NÃO SABER
"Nós, chá fraco somos
Só feito há pouco fomos
Mas mexido, forte estamos
O maná dos anjos não comemos
e o fim do castigo não sabemos."
Anthony Burgess, A laranja mecânica, trad. José Luandino Vieira, 4ª ed., Lisboa: Edições 70/Planeta De Agostini, 2002, p. 70.
Saturday, October 27, 2012
PESO
"Toda a matéria pesaCarlos Nejar, Antologia Poética, org. António Osório, Cascais: Editora Pergaminho, 2003, p. 126.
quando acordada e é leve
se adormecida. Raro
o instante que nos serve.
Da alma tudo é breve
por ser tudo infinito.
A matéria é feliz,
quando sonhada.
E amada, então
toda a matéria
pausa."
Wednesday, October 24, 2012
MADRUGADA
"-Os pássaros comem sementes - disse Bonifaz Vogel quando entrou na cozinha. - Não percebo porque não crescem árvores dentro deles.- Acho que os vegetais precisam de luz para crescer e dentro dos pássaros está escuro. E dentro dos homens está ainda mais escuro."
Tuesday, October 23, 2012
AMOR ÀS PLANTAS
"A coisa de que mais gostei até agora foi a paisagem. Fico horas e horas a olhar as plantas, as montanhas e o céu. Tenho verdadeiro amor às plantas. Penso que elas nasceram para enfeitar o mundo, somente. Existem algumas tão escondidinhas que jamais um ser humano as descobriria. É bom que nínguém pense que Deus fez as plantas para alegrar os seus olhos e o seu espírito. Se assim fosse, Ele não precisaria caprichar tanto, pois sabia que tipo de sensibilidade teriam as criaturas humanas que Ele criou.Só ouço elogios aqui para o girassol. Flor horrível, imensa, grosseira. Fica girando feito idiota acompanhando o sol. Que poesia pode haver nisso? A pobre violeta, linda, triste, fica no seu cantinho na maior humilhação. A cravina, as margaridas, as hortênsias, a boca-de-lobo, tudo completamente ignorado. Mas para elas deve ser mais importante do que todos esses elogios um simples beijo de um beija-flor. Ou o orvalho que cai sobre elas de leve, nas madrugadas, para protegê-las dos futuros raios desse imenso sol que o girassol tanto adula."
Vera Brant, A Ciclotímica, Rio de Janeiro: F. Alves, 1984, pp. 44-45.
Monday, October 22, 2012
ESTRELA NA TARDE
"Estrela da tarde, tu recolhestudo o que a luminosa auroradispersou, recolhesa ovelha, recolhesa cabra, reconduzeso filho à sua mãe."
Safo, frg. 51 (104 a) L-P, in O Essencial de Alceu e Safo, trad. Albano Martins, Lisboa: IN-CM, 1986, p. 51.
Sunday, October 21, 2012
CÂNTICO-MÁSCARA
"Limarás tua esperançaCarlos Nejar, Antologia Poética, org. António Osório, Cascais: Editora Pergaminho, 2003, p. 63.
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.
Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.
Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo."
Saturday, October 20, 2012
A FELICIDADE
"Sofia - E se nos acontecesse alguma coisa?Doroteira - Que coisa?Gebo - A felicidade na vida é não acontecer nada.Sofia - É o hábito?Gebo - Talvez seja o hábito. É a gente fazer sempre o mesmo trabalho e dizer sempre as mesmas palavras.Sofia - Como a chuva. E não cismar."
Friday, October 19, 2012
EM MEMÓRIA DE MANUEL ANTÓNIO PINA
"Dentro de mim há pássaros que cantam
E eu me sinto cansado de partir
Sou homem - mas não sei para onde ir
Sou homem - não sei por que me espantam."
Carlos Nejar, Antologia Poética, selec. António Osório, Cascais: Editora Pergaminho, 2003, p. 18.
Wednesday, October 17, 2012
A VERDADE
"Cada época tem a sua maneira de ser trágica. Nós contamos ao sol todas as trevas do coração, esperando sobreviver purificados."
Agustina Bessa-Luís, A Alegria do Mundo - I, Lisboa: Guimarães Editores, 1996, p. 126.
Tuesday, October 16, 2012
PARA DESCONVOCAR A ANGÚSTIA E ALIGEIRAR O MEDO
"Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de integração social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque se escreve, não se sabe exactamente. Porque a poética precisão dum acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida."
Agustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia, 2ª edição, Lisboa: Guimarães Editora, 2000, p. 16.
Monday, October 15, 2012
JARDIM PARA AGUSTINA B.- L.
"Eu aprendi que se pode andar uma vida inteira sem saber nada do que somos, do que é o obscuro tempo da verdade humana."
Sunday, October 14, 2012
NO CIMO DO JARDIM
"no cimo do jardim no topoManuel Gusmão, dois sóis, a rosa - a arquitectura do mundo, Lisboa: Caminho, 1990, p. 149.
de todas as hastes do jardim é
como se explodisse uma praia.
ou como se rodando sobre si mesmo
e subindo, em cima, o jardim
expirasse numa praia que se abre.
e então a mínima ondulação
dessa praia, no alto da explosão,
é um jardim terrestre que vai
começar
a aparecer. que recomeça."
Saturday, October 13, 2012
CROMOMETRIA
"medir as cores do diaManuel Gusmão, dois sóis, a rosa - a arquitectura do mundo, Lisboa: Caminho, 1990, p. 151.
pelas horas da rosa
transtornada
mente convulsiva"
Thursday, October 11, 2012
A ETERNIDADE
Afonso Cruz, O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, Lisboa: Caminho, 2011, p. 85."Jozef Sors não partilhava, mais por temperamento do que qualquer outra coisa, as ideias de Vavra, mas deixava-se levar pelo entusiasmo. Vavra parecia mais poderoso do que o mundo. Não queria saber de metafísica e assegurava que a vida eterna existe, não porque exista, mas porque ele quer que exista. Dois mais dois podem ser quatro para toda a gente, mas ele era um destruidor de todas as certezas e de todas as ideias feitas, por isso, se ele quisesse, dois mais dois seriam meia dúzia de ovos. Vavra fechava os punhos e era assustador.- A ressurreição não existe, mas ninguém me impedirá de me levantar da minha campa. Se me apetecer."
Tuesday, October 9, 2012
INFLEXÍVEL
"Inflexível serás. Darás sem perder nada.
Não cederás à morte. Põe-te acima da inveja.
Deleita-te contigo, e não penses que seja
Um mal se aqui e agora sorte te for negada.
O que te aflige e encanta a ti foi destinado.
Aceita esse fado. Não há que arrepender.
Antes que alguém to mande, faz o que há a fazer.
Aquilo que tu esperas não te há-de ser negado.
Lamentos e louvores? Para quê? Sortes e azares
Cada um é que os faz. Olha as coisas da vida:
Tudo isso está em ti, deixa essa vã corrida.
Retoma a consciência antes de avançares.
Quem é senhor de si e cultiva a medida,
Nada há no vasto mundo sobre que não decida."
Paul Fleming, in O Cardo e a Rosa - Poesia do Barroco Alemão, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 83.
Monday, October 8, 2012
VÁRIAS VIDAS
"- A vida é construída de peças mortas - disse Isaac Dresner. - Uma série de coisas sem vida, quando juntas, dão um ser vivo. Juntamos moléculas e aparece uma célula. É esse o trabalho do Eterno: juntar coisas mortas e fazer uma coisa viva. Juntamos mortes com mortes até surgir o impossível. É como friccionar dois pauzinhos mortos e aparecer fogo (que são pauzinhos cheios de vida)."
Afonso Cruz, A Boneca de Kokoschka, Lisboa: Quetzal, 2010, p. 40.
Sunday, October 7, 2012
UM CÉU POR CIMA
Sandro William Junqueira, O Caderno do Algoz, Lisboa: Caminho, 2009, p. 96."O condenado está vendado sem venda. Para ele, as formas são um centésimo de segundo, e, depois, o esquecimento. Esquece-se dos nomes das coisas e dos lugares a que pertencem. Talvez esta súbita cegueira se deva à clara e espontânea lucidez de quem enfrenta Deus e para ele avança. Deus tem medo. O mundo é longe. Um céu por cima."
Saturday, October 6, 2012
DESFOCUM
"O anjo disse: pedir mata, é pedir mata.Ele obedeceu: matou quem amava.Depois: matei-o a ele.Para lhe provar que matar é um erro.Conclusão: o amor faz coisas para que se façam coisas por amor."
Sandro William Junqueira, O Caderno do Algoz, Lisboa: Caminho, 2009, p. 63.
Friday, October 5, 2012
FLORESTA
"Houve um poeta que escreveu: «Pois para mim é óbvio que se trata de marginalizados, não apenas de mendigos; não, de facto não são nenhuns mendigos, é preciso fazer distinções. São lixo, cascas de pessoas que o destino expeliu.»Outro poeta acrescentou: «Tocamo-nos todos como as árvores de uma floresta no interior da terra. Somos um reflexo dos mortos, o mundo não é real.»E agora o que me resta escrever com esta mão virada do avesso?"
Thursday, October 4, 2012
NATUREZA-VIVA
"Gauguin considerava, como continuava a explicar a Bernard, que era perfeitamente desnecessário o pintor transcrever exactamente aquilo que tinha diante dos olhos. Bernard tinha perguntado se Gauguin achava que se deviam pintar sombras. De maneira nenhuma, foi a resposta de Gauguin - a não ser que a pessoa queira. É tudo uma questão do que o artista acha melhor para o seu quadro. Mas em geral pensava que a nova arte devia «vigorosamente» evitar «tudo quanto fosse mecânico, como a fotografia.» «Por essa razão eu evitaria o mais possível tudo aquilo que dá ilusão de alguma coisa, e como a sombra cria a ilusão da luz do sol tenho tendência a suprimi-la.» A pintura era em última análise, na perspetiva de Gauguin, uma questão intelectual: «Não pintes muito a partir da natureza», aconselhava. «A arte é uma abstracção; devemos extraí-la da natureza, enquanto sonhamos diante dela.»"
Martin Gayford, A Casa Amarela - Van Gogh, Gauguin e Nove Turbulentas Semanas em Arles, trad. Francisco Agarez, Lisboa: Editorial Bizâncio, 2007, pp. 75.
Wednesday, October 3, 2012
ENTREGA / RESPOSTA
"Nam sam casado, senhora,
pois ainda não dei a mão
nam casei o coração.
Antes que vos conhecesse,
sem errar contra vós nada,
uma só mão fiz casada,
sem que mais nisso metesse.
Dou-lhe que ela se perdesse;
solteiros e vossos são
os olhos e o coração.
Dizem que o bom casamento
se há de fazer de vontade.
Eu a vós a liberdade
vos dei, e o pensamento.
Nisto só me achei contento,
que, se a outrem dei a mão,
dei a vós o coração."
Bernardim Ribeiro, Obras Completas, vol. II, ed. Aquilino Ribeiro e M. Marques Braga, 3ª ed., Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1982, pp. 184-185.
Tuesday, October 2, 2012
A DISCRETA SUCESSÃO DOS DIAS
"É possível que em tempos idos a mulher se tenha encontrado numa situação comparável - próxima da do animal doméstico. Havia sem dúvida uma forma de felicidade domótica relacionada com o funcionamento colectivo, que já não somos capazes de compreender; existia sem dúvida o prazer de constituir um organismo funcional, adequado, criado para realizar uma sucessão discreta de tarefas - e estas tarefas, repetindo-se, constituíam a discreta sucessão dos dias. Tudo isso desapareceu, e a sucessão de tarefas também; já não temos verdadeiramente um objectivo determinado; as alegrias do ser humano permanecem-nos desconhecidas, as desventuras, por outro lado, não nos abandonam. As nossas noites já não vibram de terror nem de êxtase; mas vamos vivendo, atravessando a vida, sem alegrias nem mistérios, o tempo parece-nos breve."
Michel Houellebecq, A Possibilidade de uma Ilha, trad. Isabel St. Aubyn, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, p. 11.
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