"É possível que em tempos idos a mulher se tenha encontrado numa situação comparável - próxima da do animal doméstico. Havia sem dúvida uma forma de felicidade domótica relacionada com o funcionamento colectivo, que já não somos capazes de compreender; existia sem dúvida o prazer de constituir um organismo funcional, adequado, criado para realizar uma sucessão discreta de tarefas - e estas tarefas, repetindo-se, constituíam a discreta sucessão dos dias. Tudo isso desapareceu, e a sucessão de tarefas também; já não temos verdadeiramente um objectivo determinado; as alegrias do ser humano permanecem-nos desconhecidas, as desventuras, por outro lado, não nos abandonam. As nossas noites já não vibram de terror nem de êxtase; mas vamos vivendo, atravessando a vida, sem alegrias nem mistérios, o tempo parece-nos breve."
Michel Houellebecq, A Possibilidade de uma Ilha, trad. Isabel St. Aubyn, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, p. 11.
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