Saturday, August 1, 2015
OCTAVA PORTA
"Descer uma rua numa noite de Agosto
e por momentos nada ouvir senão
uma voz na cabeça que faz e repete
o poema mais desnecessário;
ver por toda a parte os sinais
perdidos e as cicatrizes de um fortuito
trânsito: alguém insiste em abrir
ao perigo a porta do número 133,
enquanto os rapazes do café vizinho
fumam sob o toldo à hora do fecho
e invadem o verso com uma frase
avulsa: coitado, morreu-lhe a filha;
tomar à esquina um táxi onde espera
um homem sem rosto, seguir
essa estrada - para um recomeço
ou uma despedida? - e entender
de súbito que tudo é por acaso,
não ter a ilusão de outra certeza."
Rui Pires Cabral, "Capitais da Solidão", in Morada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015, p. 247.
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