"Esse é o passo difícil para quem aprende a estar morto: convencer-se de que a sua própria vida é um conjunto fechado, todo no passado, ao qual não se pode juntar nada, nem introduzir modificações de perspectiva na relação entre os vários elementos. É certo que os que continuam a viver podem, com base nas modificações por eles vividas, introduzir modificações inclusive na vida dos mortos, dando forma àquilo que a não tinha ou que parecia ter uma forma diferente: reconhecendo por exemplo um justo rebelde naquele que tinha sido vituperado pelos seus actos contra a lei, celebrando um poeta ou um profeta naquele que se tinha visto condenar à neurose ou ao delírio. Mas são modificações que contam sobretudo para os vivos. Eles, os mortos, dificilmente tiram delas qualquer proveito. Cada um é feito daquilo que viveu e do modo como o viveu, e isto ninguém lho pode tirar. Quem viveu sofrendo, fica feito pelo sofrimento; se pretenderem tirar-lho, deixa de ser ele."
Italo Calvino, Palomar, trad. João Reis. Lisboa: Ed. Teorema, 2002, p. 128.
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