"Não havia nenhum cheiro, não se ouvia qualquer ruído. Ninguém estava com eles no quarto. O facto de não poderem comunicar por meio de palavras era, sem dúvida, a causa de muita incompreensão. Mas por outro lado fazia com que existisse entre eles uma intimidade muito especial. Um dia, após uma manhã passada a trabalhar, Miss Barrett exclamou «Escrever, escrever, escrever...». Apesar de tudo, talvez se interrogasse se as palavras conseguem exprimir tudo. Será que as palavras têm algum significado? Não destruirão as palavras todos os símbolos que estão para além do alcance das palavras? Pelo menos uma vez parece ter chegado a esta conclusão. Estava deitada, pensativa, esquecera-se completamente de Flush e os pensamentos que a invadiam eram tão soturnos que as lágrimas lhe rolavam para a almofada. Repentinamente uma cabeça peluda encostou-se à dela; uns grandes olhos brilhantes fixaram-se nos dela e ela assustou-se. Era Flush ou Pã? Já não era uma inválida de Wimpole Street, mas sim uma ninfa grega num bosque sombrio da Arcádia? Teria aquele deus barbudo pousado os lábios nos seus? Por instantes sentiu-se transformada: «era uma ninfa e Flush era Pã». O sol queimava; o amor resplandecia: (...)"
Virginia Woolf, Flush - Uma Biografia, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 2011, pp. 35-36.