Monday, September 10, 2012

NATURA ABHORRET VACUUM


"A natureza abomina o vazio, ou dito numa língua morta: natura abhorret vacuum. Mas que ele existe, existe. Parece que o Nada, a existir, deixa de ser o Nada para ser alguma coisa. A natureza não gosta de espaços vazios e preenche-os como um burocrata preenche requerimentos. Não deixa buracos em lado nenhum. Mesmo os lugares mais rarefeitos, como o espaço sideral e a estupidez humana, são preenchidos por alguma coisa: luz, metais leves, preconceitos, partículas e subpartículas dos átomos, radiações, chavões e telenovelas. A natureza enche chouriços, não há espaços vazios nas suas tripas. Um homem olha à sua volta e não encontra nada que não esteja já ocupado. Assim pensam os homens com a razão e a lógica que se passeia nos interstícios dos seus cérebros cinzentos, nessas dobras confusas que se assemelham a um intestino redondo ou a uma noz. Mas os homens que pensam com os sentimentos, têm outra lógica a nadar-lhes nas veias e artérias. Esses acreditam no vazio porque o vêem a toda a hora dentro de si."

Afonso Cruz, Jesus Cristo bebia cerveja, Lisboa: Editora Objectiva/Alfaguara, 2012, pp.  137-138.

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