Monday, January 6, 2014

MERCÚRIO OU HOMENAGEM A EUSÉBIO NO PAÍS DO COMÉRCIO



"Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas, 
e todos estão contentes de se saberem sacanas. 
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais, 
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam. 

Dizer-se que é de heróis e santos o país, 
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só os asnos, 
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora. 
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice, 
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir. 
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois. 
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia. 
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma."


Jorge de Sena, 40 Anos de Servidão, Lisboa: Edições 70, 1989, p. 136. 

No comments: