Wednesday, June 25, 2014

VELO



"Que fazia ele no decurso desta jornada? Em que pensava? Via passar, como pela manhã, as árvores, os tectos de colmo, os campos cultivados, e o desaparecer rápido da paisagem, que se desloca em cada cotovelo do caminho. É uma contemplação esta que satisfaz a alma, e quase a dispensa de pensar. Ver mil objectos pela primeira e última vez! Há aí coisa mais profundamente melancólica? Viajar, é nascer e morrer a todo o instante. Talvez ele, na região mais vaga do seu espírito, fizesse paralelos entre aqueles horizontes cambiantes e a existência humana. Todas as coisas desta viagem fogem de contínuo diante de nós. Entremeiam-se as sombras com os clarões. Após um deslumbramento de luz, um eclipse, as trevas; olha-se, corre-se a toda a pressa, estendem-se as mãos para agarrar o ângulo da estrada, e de repente somos velhos. Sente-se um como abalo, afigura-se-nos tudo negro, distingue-se uma porta escura, e esse sombrio cavalo da vida, que vos arrastava, pára de súbito. E vê-se um ente desconhecido, coberto com um véu, a desatrelá-lo nas trevas."


Victor Hugo, Os Miseráveis, s.trad., Estarreja: Mel Editores, 2009, p. 194. 

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