Monday, November 30, 2015

DRAMAS INTERESSANTES



"Uma cama nos vê nascer e nos vê morrer; é o teatro variável onde o género humano desempenha alternadamente dramas interessantes, farsas risíveis e tragédias espantosas. É um berço guarnecido de flores; é o trono do amor; é um sepulcro."

Xavier de Maistre, Viagem à Roda do Meu Quarto, trad. Fernandes Costa, Lisboa: Casa Editora David Corazzi, 1888, p. 16. 

Sunday, November 29, 2015

AUTOUR




"O prazer que a gente tem em viajar no seu quarto está ao abrigo do ciúme inquieto dos homens; é independente da fortuna. 
E haverá, com efeito, algum ente tão infeliz, tão abandonado, que não tenha um abrigo para onde possa retirar-se e onde consiga esconder-se de todos? Ora aí estão todos os preparativos da viagem."


Xavier de Maistre, Viagem à Roda do Meu Quarto, trad. Fernandes Costa, Lisboa: Casa Editora David Corazzi, 1888, p. 11. 

Saturday, November 28, 2015

TELHADO



"Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para peor dizem pió
Para telha dizem têia
Para telhado dizem teado
E vão fazendo telhados."


Oswald de Andrade, Pau Brasil, ed. facsímile, Lisboa: A Bela e o Monstro edições, 2014, p. 33. 

Thursday, November 26, 2015

NOMEAR



"Mas, dado que todas [as coisas] foram nomeadas luz e noite
segundo os seus poderes, estas e aquelas, 
tudo está igualmente cheio de luz e de noite invisível, 
ambas iguais, porque fora de uma e de outra nada [é]"


Parménides de Eleia, Sobre a Natureza, frag. 9, trad. António Monteiro, Lisboa: Lisboa Editora, 1999, pp. 43-44. 

Wednesday, November 25, 2015

BANAL


"Tudo isso é banal; di-lo a experiência; de duração efémera; de matéria vil. Hoje em dia tudo se passa como no tempo daqueles que metemos em seus túmulos."


Marco Aurélio, Pensamentos, IX, 14, trad. João Maia, Lisboa: Verbo, 1971, p. 114. 

Tuesday, November 24, 2015

SUBSTÂNCIA



"Na vida do homem a duração é um ponto, a substância fluente, a sensação embotada, o composto de todo o corpo facilmente corruptível, a alma em perpétuo torvelinho, o destino enigmático e a fama algo indiscernível. Em resumo, tudo o que ao corpo se refere assemelha-se a um rio; o que tange à alma, um sonho vaporoso; a vida, uma guerra, um exílio em terra estranha; a fama que é póstuma, o mesmo é que esquecimento."


Marco Aurélio, Pensamentos, II, 17, trad. João Maia, Lisboa: Verbo, 1971, p. 24. 

Monday, November 23, 2015

SEMA



"TC: Boa noite. 
TC: Gosto muito de ti. 
TC: Também gosto muito de ti. 
TC: Acho bem que gostes. Porque, bem vistas as coisas, no fundo só nos temos um ao outro. Estamos sozinhos. Até descermos à sepultura. E é essa a verdadeira tragédia, não é verdade?
TC: Estás a esquecer-te. Também temos Deus. 
TC: Sim. Temos Deus."


Truman Capote, Música para Camalões, trad. Paulo Faria, Porto: Livros do Brasil, 2015, p. 270. 

Sunday, November 22, 2015

REENCARNAR



"P: E, na tua vida futura, em que ser gostarias de reencarnar?

R: Numa ave, de preferência um abutre. Um abutre não tem de se preocupar com a sua aparência, nem com a sua capacidade de seduzir ou agradar; não precisa de se dar ares. Ninguém vai gostar dele, seja lá como for; é feio, indesejado, ninguém o acolhe de braços abertos em lugar nenhum. O género da liberdade que isto permite tem imensas vantagens. Por outro lado, também não me importava de ser uma tartaruga-marinha. Elas vagueiam por toda a terra e conhecem os segredos das profundezas do oceano. Além disso, vivem imenso tempo, e aqueles olhos pachorrentos acumulam imensa sabedoria."


Truman Capote, Música para Camalões, trad. Paulo Faria, Porto: Livros do Brasil, 2015, p. 266. 

Friday, November 20, 2015

MODELAR



"Modela então uma criatura monstruosa, compósita e policéfala, com cabeças de animais domésticos e selvagens a toda a volta, capaz de alterar, ou de criar por si, todas essas formas."

Platão, República, IX, 588c, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, 8ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 444. 

ADVENTO



"Uma vela, mais não.      A sua luz ténue
é mais adequada,         mais brando te assombras
quando vierem do Amor,        quando vierem as Sombras."


Konstantinos Kavafis, Poemas e Prosa, trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Lisboa: Relógio D'Água, 1994, p. 101. 

Thursday, November 19, 2015

EMANAÇÃO


"Para Heraclito o princípio consiste na própria alma, em virtude de ela ser aquela emanação quente pela qual todos os seres são criados. Trata-se, por conseguinte, de uma realidade incorpórea e em mutação contínua: conhece-se o movimento consoante mais se movimenta, sendo sua opinião (e também a de muitos outros) a circunstância de todos os seres se encontrarem em movimento."

Aristóteles, Da Alma (De Anima), trad. Carlos Humberto Gomes, Lisboa: Edições 70, 2015, p. 30.  

Wednesday, November 18, 2015

CRIATURA



"Por um lado, estas criaturas não são nem homens, nem deuses, e, por outro lado, elas são concebidas pelos homens à imagem do homem.
Embora feitas à imagem do homem, não são nem produto das modalidades habituais de reprodução, nem espontaneamente criadas pelos deuses. O homem tem sempre, em todas as histórias do género, a iniciativa da criação."

Philippe Breton, À Imagem do Homem, trad. Joana Chaves, Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 53. 

Tuesday, November 17, 2015

SELVAGEM



"- É inteiramente o que eu penso. 
- Deixámo-nos levar, contudo, longe de mais, ao tratar deste assunto. O que queremos saber é o seguinte: que existe em cada um de nós uma espécie de desejos terrível, selvagem e sem leis, mesmo nos poucos de entre nós que parecem ser comedidos. É nos sonhos que o facto se torna evidente. Vê lá tu se eu estou a dizer bem, e se concordas.
- Concordo, sim."


Platão, A República, IX, 572b, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, 8ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 413. 

Sunday, November 15, 2015

PSUCHE



"Mas, meu caro, torna-se necessário considerar este pesado, angustiante, terrestre e visível."



Platão, Fédon, 81c, trad. Adelino Dias, Porto: Areal Editores, 2005, p. 71. 

Saturday, November 14, 2015

IMPREGNADA



"Ela sorri. - Alors. A ilha inteira está impregnada de estranheza. Esta casa está assombrada. Muitos fantasmas habitam aqui. E não vivem nas trevas. Alguns aparecem no pino do meio-dia, o mais descarados que se pode imaginar. Impertinentes. 
- Isso também é vulgar no Haiti. Lá, é frequente os fantasmas passearem-se em plena luz do dia. Uma vez, vi uma horda de fantasmas a trabalhar num campo de lavoura, perto de Pétionville. Estavam a catar escaravelhos dos cafeeiros. 
Sem contestar a veracidade do que acaba de ouvir, ela prossegue:
- Oui. Oui. Os haitianos põem os mortos a trabalhar. São bem conhecidos por isso. Nós deixámos os nossos entregues às suas amarguras. E aos seus folguedos. Tão rudes, os haitianos. Tão crioulos. E não se pode tomar banho nas praias daquela terra, os tubarões são assustadores. E os mosquitos: o tamanho. a audácia! Aqui, na Martinica, não temos mosquitos. Nem um só. 
- Já reparei, e fiquei bastante intrigado. 
- Também nós. A Martinica é a única ilha das Caraíbas livre do flagelo dos mosquitos, e ninguém consegue explicar os motivos. 
- Talvez as traças noturnas os devorem a todos. 
Ela ri-se. - Ou os fantasmas. 
- Não. Parece-me que os fantasmas haviam de preferir as traças."


Truman Capote, Música para Camalões, trad. Paulo Faria, Porto: Livros do Brasil, 2015, p. 22. 

Friday, November 13, 2015

TERROR


"Talvez, na realidade, todos nós estejamos mortos. É assim que, um dia, eu ouvi homens sábios dizer que a nossa vida presente é uma morte, que o nosso corpo é um túmulo, e que este lugar na alma em que residem as paixões obedece, pela sua natureza, aos impulsos mais opostos."

Platão, Górgias, 493a, trad. Maria Isabel Aguiar, Porto: Areal Editores, 2005, p. 102. 

Wednesday, November 11, 2015

MURO




"Uma única porta
No único muro de uma casa em ruínas.
Cuidado... Quem atravessar essa porta, à noite, 
Pode ficar para sempre no Outro Mundo!"


Mário Quintana, A Cor do Invisível, Rio de Janeiro: Objectiva, 2012, p. 41. 

DESÇO-ME



"Numa ânsia de ter alguma cousa, 
Divago por mim mesmo a procurar, 
Desço-me todo, em vão, sem nada achar, 
E minh' alma perdida não repousa!

Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar...

Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez de fogo...
- Onde existo que não existo em mim?

............................................................... 
...............................................................

Um cemitério falso sem ossadas, 
Noites de amor sem bocas esmagadas - 
Tudo outro espasmo que princípio ou fim..."


Mário de Sá-Carneiro, Poesia, Lisboa: Círculo de Leitores, 1990, p. 110. 

Monday, November 9, 2015

SUPORTE


"O mesmo discurso deve ser feito acerca da natureza que recebe todos os corpos. A ela se há-de designar sempre do mesmo modo, pois ela não perde, de modo algum, as suas propriedades: recebe sempre tudo, e nunca em circunstância alguma assume uma forma que seja semelhante a algo que nela entra; jaz por natureza como um suporte de impressão para todas as coisas, sendo alterada e moldada pelo que lá entra, e por tal motivo, parece ora uma forma, ora outra; mas o que nela entra e dela sai são sempre imitações do que é sempre, impressas nela de um modo misterioso e admirável, que investigaremos posteriormente."

Platão, Timeu, 50b-c, trad. Rudolfo Lopes, Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2011, p, 134. 

Sunday, November 8, 2015

AGONISMO



"Recordemos aqui a definição aristotélica: o enigma é a formulação de uma impossibilidade racional que, no entanto, exprime um objecto real. O sábio, que domina a razão, deve desfazer tal nó. Por isso, o enigma, quando entra no agonismo da sabedoria, deve assumir uma forma contraditória."

Giorgio Colli, O Nascimento da Filosofia, trad. Artur Morão, Lisboa: Presença, 1998, p. 56. 

Saturday, November 7, 2015

PORPHIRA



"Nós vemos-te, céu, nós vemos-te, 
De borbulha em borbulha, 
avanças, 
de pústula em pústula.
Assim aumentas a eternidade. 

Nós vemos-te, terra, nós vemos-te. 
De alma em alma, 
expões-te, 
de sombra em sombra. 
Assim respiram os incêndios do tempo."


Paul Celan, "De Limiar em Limiar", in Sete Rosas Mais Tarde - Antologia Poética, trad. João Barrento, 2ª ed., Lisboa: Cotovia, 1996, pp. 65; 67. 

Friday, November 6, 2015

MORPHE



"Além disso, Morpheus, também derivado de morphe, literalmente "aquele que reproduz as formas". era o deus do sono e dos sonhos, o que sublinha o elemento imaginativo, secreto e nocturno da forma."


Maria Filomena Molder, As Nuvens e o Vaso Sagrado, Lisboa: Relógio D'Água, 2014, p. 151.

Thursday, November 5, 2015

IRROMPE



"A luz irrompe em lugares estranhos, 
nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a 
chuva;
quando a lógica morre, 
o segredo da terra cresce em cada olhar
e o sangue precipita-se no sol;
sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer."


Dylan Thomas, A Mão ao Assinar Este Papel, trad. Fernando Guimarães, 2º ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 31. 

Wednesday, November 4, 2015

ANTROS



"Falando Ferécides de Siro das grutas, das covas, dos antros, das portas e das saídas e, através destas coisas, referindo-se enigmaticamente aos nascimentos e às extinções das almas..."

Fernando Bastos, A Teogonia Poética de Ferécides de Siro, Lisboa: IN-CM, 2003, p. 45. 

LAGO




"O lago bebe dos olhos
rosas salamandras
gaivotas ao vento
barcos no horizonte
andorinhas sobre centelhas de luz
com música bebe dos olhos
o lago
rosas salamandras
a lembrança de rosas salamandras
gaivotas ao vento
barcos no horizonte
em poemas barcos no horizonte
centelhas de luz com música
bebe dos olhos o lago
rosas"


Eva Christina Zeller, Sigo a Água, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa: Relógio D'Água, 1996, p. 19. 

Tuesday, November 3, 2015

OLERE




"JESUS - Cheira a sal... a nevoeiro... e às entranhas dos pássaros!..."


Bernardo Santareno, A Promessa, Lisboa: Círculo de Leitores, 1974, p. 50. 

UNDECIMA PORTA



"Mas é bem mais triste aquele que olha o céu
Em busca de Deus, que o livre dos abrolhos, 
E só acha a luz das pálidas estrelas..."


José Duro, Fel, 11ª ed., Lisboa: Guimarães Editores, 1983, p. 33.