"Ela sorri. - Alors. A ilha inteira está impregnada de estranheza. Esta casa está assombrada. Muitos fantasmas habitam aqui. E não vivem nas trevas. Alguns aparecem no pino do meio-dia, o mais descarados que se pode imaginar. Impertinentes.
- Isso também é vulgar no Haiti. Lá, é frequente os fantasmas passearem-se em plena luz do dia. Uma vez, vi uma horda de fantasmas a trabalhar num campo de lavoura, perto de Pétionville. Estavam a catar escaravelhos dos cafeeiros.
Sem contestar a veracidade do que acaba de ouvir, ela prossegue:
- Oui. Oui. Os haitianos põem os mortos a trabalhar. São bem conhecidos por isso. Nós deixámos os nossos entregues às suas amarguras. E aos seus folguedos. Tão rudes, os haitianos. Tão crioulos. E não se pode tomar banho nas praias daquela terra, os tubarões são assustadores. E os mosquitos: o tamanho. a audácia! Aqui, na Martinica, não temos mosquitos. Nem um só.
- Já reparei, e fiquei bastante intrigado.
- Também nós. A Martinica é a única ilha das Caraíbas livre do flagelo dos mosquitos, e ninguém consegue explicar os motivos.
- Talvez as traças noturnas os devorem a todos.
Ela ri-se. - Ou os fantasmas.
- Não. Parece-me que os fantasmas haviam de preferir as traças."
Truman Capote, Música para Camalões, trad. Paulo Faria, Porto: Livros do Brasil, 2015, p. 22.