Wednesday, August 24, 2016

POEMA


"Um velho armador dinamarquês estava sentado a recordar a juventude e como, quando tinha dezasseis anos, havia passado uma noite num bordel de Singapura. Aportara ali com os marinheiros do barco de seu pai e sentara-se a conversar com uma velha chinesa. Quando ela o ouviu dizer que era natural de um país distante, foi buscar um velho papagaio que lhe pertencia. Havia muitos, muitos anos, aquele papagaio fora-lhe oferecido por um inglês de boas famílias, seu amante na juventude. Nessa altura, já o rapaz pensava que o papagaio devia ter cem anos. Sabia dizer várias frases em todas as línguas, aprendidas no ambiente cosmopolita da casa. Mas havia uma frase que o amante da velha chinesa lhe havia ensinado antes de lho ter oferecido e que nem ela compreendia, nem nenhum visitante fora capaz de lhe dizer o que significava. Por esse motivo, já há muitos anos desistira de perguntar o que queria dizer. Mas já que o rapaz vinha de um país tão distante, talvez fosse a sua língua e conseguisse interpretar-lhe a frase.
O rapaz ficou estranhamente emocionado com a sugestão. Quando olhou para o papagaio e pensou que podia ir ouvir aquele bico terrível proferir palavras em dinamarquês, quase fugiu dali. Só ficou para fazer um favor à velha chinesa. Mas quando esta fez o papagaio proferir a sua frase, constatou tratar-se de grego clássico. A ave articulava as palavras muito lentamente e o rapaz sabia grego suficiente para o reconhecer: tratava-se de uma estrofe de Safo:

«A Lua desapareceu, e também as Plêiades, 
A meia-noite já se foi há muito, 
E as horas passam, passam, 
E eu aqui, deitada, sozinha.»

A velha, quando ele traduziu os versos, fez estalar os lábios e revirou os seus olhinhos amendoados. Pediu-lhe para repetir o poema e, enquanto o escutava, ia acenando com a cabeça em sinal de aprovação". 


Karen Blixen, África Minha, trad. Ana Falcão Bastos, Lisboa: Círculo de Leitores, 1987, pp.  261-262. 

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