"Ainda existe uma Luz cá neste mundo,
Neste pântano escuro esverdeado,
Neste oceano de dor que não tem fundo,
Nesta raiva feroz dum condenado,
Nesta lágrima infeliz que o bom Jesus
Derramou, lá no céu, crucificado;
Deixando-a assim cair, como uma lança
Dum soldado que expira moribundo
No espaço infinito da Esperança;
Neste monturo tétrico e medonho,
Neste enorme covil de hipocrisia
Onde a Verdade existe como um sonho;
Neste túmulo triste e sanguinário,
Onde rebenta a flor da podridão,
Onde caminha o vício milionário...
Essa Luz que ilumina a Solidão,
Esse facho repleto de esplendor,
Essa fogueira enorme dum vulcão,
E que, numa hora e mesmo num momento,
A Verdade e o Belo e a Alegria
Expiram em um único lamento!..."
Teixeira de Pascoaes, Embryões, Amarante: Officina Noctua, 2025, pp. 47-48.