Sunday, November 30, 2025

METAFÍSICO

 


"Experimentemos falar com o idiota do meu filho sobre ruínas. É que ele ainda não percebeu. Para ele, tudo ainda permanece no estado animal decomposto, do pequeno objecto (-a) perdido - seja cama ou penico, para ele tudo é ainda mais pequeno do que ele próprio e, portanto, objecto sempre à mão, transicional, ruína. Mas ele não lhe dá o nome de «ruína». Afirma apenas: «São coisas como eu. Parecidas comigo. Eu com elas entendemo-nos optimamente. Medimo-nos a palmo, contamo-nos pelos dedos. Até nos partirem, somos brinquedos. Velhos ou novos, enquanto nos encontrarmos à mão de semear e nos mostrarmos manuseáveis, seremos sempre coisas com interesse. Objectos pequenos. Ruínas
É que o «maior» não existe para ele. Tudo o que lhe passa do ombro ou da cabeça, considera-o já de outro mundo. Que não existe. Como lhe explicar, então, a desagregação do grande até ao residual ou ao pequeno? Se eu lho conseguisse explicar, penso que para ele, em breve, a Ruína constituiria uma espécie de Deus. O metafísico."


Fernando Guerreiro, a sagrada família, papéis impossíveis, 2025, p. 39. 

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