Thursday, May 31, 2012

MISTÉRIO/SEGREDO


"O grande mistério é um segredo, mas há algumas pessoas que o conhecem. Nunca dirão o que é dada. Para vos distrair ainda um pouco mais sempre vos digo qualquer coisa como:
dada é a ditadura do espírito, ou
dada é a ditadura da linguagem,
ou então
dada é a morte do espírito,
o que há-de agradar a muitos dos meus amigos. Amigos."
Tristan Tzara, "Dada Manifesto sobre o Amor Débil e o Amor Amargo", in Sete Manifestos Dada, trad. José Miranda Justo, Lisboa: Hiena, 1987, p. 44

Tuesday, May 29, 2012

LIÇÕES


"Ame-se o que é, como nós,
efêmero. Todo o universo
podia chamar-se: gérbera.
Tudo, como a flor, pulsa

e arde e apodrece. Sei,
repito ensinamento já sabido
e lições não dizem mais
que margaridas e junquilhos.

Lições, há quem diga,
são inúteis, por mais belas.
Melhor, porém, acrescento,
se azuis, vermelhas, amarelas."

Eucanãa Ferraz, Cinemateca, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2009, p. 36.

Monday, May 28, 2012

16 ANOS


"Temos a idade das pessoas que enterramos."


Fernando Guerreiro, Teoria do Fantasma, Lisboa: Mariposa Azual, 2011, p. 13.

Sunday, May 27, 2012

HEROÍSMOS


"Este insólito acontecimento perturbou alguns instantes do Outono de Cristóvão, Raquel e meu. Mas continuamos a perguntar.
«Como morreu Alexandre o Grande? Quantos anos tem o seu matador?» E apenas o silêncio nos responde e ensombra os rostos.»"
José Viale Moutinho, "Sobre a Morte de Alexandre o Grande", in O Jogo do Sério, Lisboa: Paisagem Editora, s.d., p. 62.

Saturday, May 26, 2012

VICTUS


"Qual é, Vitória, o nome que te dão?
Qual é, Vitória, a mão que te liberta?

Não pode usar o sangue ou a traição
A exacta face da palavra certa."

Natércia Freire, Liberdade Solar, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural, s.d., p. 21.

Friday, May 25, 2012

IMORTAL



"Acorrentado, o Imortal agitava-se inquieto
Em suspiros dolorosos e insofrível agonia,
Até a fonte do seu pensamento se encerrar
Numa esfera, cobertura desgrenhada e indomável."

William Blake, Primeiro Livro de Urizen, trad. João Almeida Flor, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 41.

Thursday, May 24, 2012

INCOMPLETUDE


"no telhado da casa pousavam animais sem asas. os mais gordos, a quem o voo custava em dobro, tossiam com o vento a entrar-lhes garganta dentro e suavam frio de muito esforço. às vezes, chegava um que discutia sobre não ter asas e como injusto parecia o voo por comparação aos pássaros. os pássaros, apressados e sem piedade, passavam alto numa leveza impossível. os animais no telhado amuavam e ganhavam força sem saberem como. durante o ano podiam passar por ali milhares daqueles animais diminuídos, mas o homem que vivia na casa onde pousavam não os via. ao menos era o que dizia toda a gente. que não via nada de estranho a acontecer por ali"
valter hugo mãe, livro de maldições, Vila do Conde: objecto cardíaco, 2006, p. 10.

Wednesday, May 23, 2012

EXCLUSÃO


"O mesmo autor que pouco antes afirmara que o pecado do homem em nada tinha alterado a natureza e condição dos animais proclama agora sem reservas que a vida animal está excluída do paraíso, que a vida bem-aventurada não é, em caso algum, uma vida animal. Consequentemente, também as plantas e os animais não encontrarão lugar no paraíso, «corromper-se-ão segundo o todo e segundo a parte» (ibid.). No corpo dos ressurrectos, as funções animais permanecerão «ociosas e vácuas» exatamente como, de acordo com a teologia medieval, depois a expulsão de Adão e Eva, o Éden permanece vazio de toda a vida humana. Nem toda a carne será salva e, na fisiologia dos bem-aventurados, a oikonomia divina da salvação deixa um resto irredimível."
Giorgio Agamben, O Aberto - o Homem e o Animal, trad. André Dias e Ana Bigotte Vieira, Lisboa: Edições 70, 2011, p. 34.

Monday, May 21, 2012

IRA



"És a beleza, Ira. És do andor funerário, a Beleza.
Colar argênteo nas ossadas de Cecílio.
Se derrama o luto gracioso nas nádegas rasgadas.
A tropeçar numa árvore vigorosa um peixecortesã.
Chocante, a amarrá-los. Lâmina fatigada, tão inebriante.
E dizemos: Açoita o céu todo de incenso.
(Segundo o Dom de Deus, imenso.)

Na estampa, Longino, florindo, o que o Senhor vê:
A Ira, a ira é redonda como pétalas de rosas caídas de um tosco poeta
Escudado em poética tosca, de seu gosto."

José Emílio-Nelson, "A Coroa de Espinhos", in A Alegria do Mal - Obra Poética I, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2004, p. 298.

Sunday, May 20, 2012

EARTH WAS NOT


"Nem havia Terra: nem atracções de esferas;
Segundo o seu desígnio, o Imortal distendia
Ou crispava os seus sentidos dúcteis;
Nem havia morte; a vida jorrava eterna."

William Blake, Primeiro Livro de Urizen, trad. João Almeida Flor, 2ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p. 25.

Friday, May 18, 2012

CLAUSTRO



"Nunca é oportuno falar de nós próprios. Penso muitas vezes que adiamos continuamente as nossas contas com a própria vida; adiamos o nosso retrato, e só raramente damos uma pincelada mais, em geral para nos embelezarmos e mentirmos um pouco mais. Penso que recordar é mentir com sentimento. Excepto agir, tudo é mentir mais ou menos cegamente. O que fazemos é construir um claustro em volta desse jardim abandonado que é a infância de cada um. Um claustro onde andamos cautelosamente e sem fazer barulho, dando boa impressão de nós próprios e das nossas intenções.
Isto leva-nos a uma pergunta inquietante: o que é uma obra literária? É a maneira de ocuparmos esse espaço das nossas trevas com uma espécie de princípio ético que se chama talento. O facto de o talento estar ligado à liberdade não o desculpa; ele é um princípio das trevas e joga com factores demoníacos."
Agustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia, 2ª edição, Lisboa: Guimarães Editora, 2000, p. 162.

Thursday, May 17, 2012

O PROSAICO


"O dilema é este: nós, as mulheres, somos prosaicas, sobretudo quando somos naturais. É próprio daqueles que são frágeis o serem terra-à-terra, porque isso lhes dá a impressão de estarem mais protegidos. A realidade protege mais do que os sonhos, do que as coisas imaginárias."
Agustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia, 2ª edição, Lisboa: Guimarães Editora, 2000, p. 94.

Wednesday, May 16, 2012

NOVELO DE SERES


"Um objecto (texto), assim, são vários objectos ou hipoteses de texto, objectivados no tempo e no espaço, em acto e dando lugar, corpo (próximo e cósmico) a uma nova realidade. Corpo, portanto, folhado (foliácio), com diversas camadas (fonémicas) de objectividade. Noutros termos: um novelo de ser(es), simulacro(s)."
Fernando Guerreiro, Teoria do Fantasma, Lisboa: Mariposa Azual, 2011, p. 15.

Monday, May 14, 2012

PEDRAS-ANGULARES


"Uma das pedras-base da prosperidade repressiva é, sem dúvida, o conceito de educação. Os seus melhores frutos são as neuroses de gratidão, que produzem uma percentagem elevada de homens importantes. Todas as intenções são malévolas. Tudo aquilo que define um movimento adaptado a uma realidade imediata projecta com igual consentimento a realidade dos contrários. Portanto, toda a intenção é malévola. Só há razão numa sociedade não-intencional; só há renovação a partir do indivisível.
Escreve-se e fala-se demais. Homens eminentes ou medíocres gesticulam nas suas cátedras e pretendem definir as aspirações dos seus semelhantes. Mas a aspiração é uma corrupção a nível pouco profundo; e o conflito entre o homem e a civilização só existe como linguagem, como euforia gradual e princípio de impulso."
Agustina Bessa-Luís, Alegria do Mundo - II, Lisboa: Guimarães Editores, 1998, p. 31.

Sunday, May 13, 2012

ART NAÏF


"O ódio é uma faca
na bainha

pronta a ser usada.

Porque deixas
que as lágrimas no sangue
te desarmem?"

Egito Gonçalves, O Fósforo na Palha, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1970, p. 61.

Saturday, May 12, 2012

PARA A SOBREVIVÊNCIA DO CORPO


"Para Bacon, e na sua acepção pitagórica, a amizade torna o corpo do interlocutor um espaço privilegiado para a troca e circulação de palavras. O corpo surge como um bloco de escrita e de palavras, um palco de definições e de manipulações discursivas cujo principal objectivo é evitar a ausência das palavras e do seu poder terapêutico. A nova dinâmica do corpo, baseada na amizade, alimenta e acciona a instituição do discurso como princípio vital para a sobrevivência do corpo. Nesta perspectiva, o silêncio é o estado mais perigoso, pois a total impossibilidade de exteriorização transforma as palavras desejadas em instrumentos poderosos, capazes de ferir e devorar o corpo. O silêncio ou a ausência de um interlocutor adequado e qualificado, um verdadeiro amigo, divide o eu em partes em conflito e reduz o corpo a um palco de violência e de impulsos canibalistas. Nascido da amizade, o discurso, que é a própria amizade, graças às palavras, viabiliza uma partilha de experiências que origina um novo espaço no qual habitam e se movem as palavras mais ameaçadoras e perigosas. A sede de amizade é uma sede de sobrevivência, a sobrevivência do corpo enquanto fonte de palavras obscuras e misteriosas."
Milad Doueihi, História Perversa do Coração Humano, trad. Ana Margarida Fonseca, Lisboa: Terramar, 2002, pp. 80-81.

Friday, May 11, 2012

MUTABLE AS SAND (em memória de Bernardo Sassetti)


"Mas será forte a morte, sangrenta e bela,
E eterna, como se fosse a soberana da terra?
Não, não vês o tempo, a morte não verás
Até que a mão direita da vida se liberte da tua mão
E os dias da tua vida se libertem de ti.
Os deuses subtilmente moldam
A loucura com a tristeza sobre a terra,
Desconhecendo a compaixão,
Desprovidos de toda a piedade."

A. C. Swinburne, "Atalanta em Cálidon", in Poemas, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Lisboa: Relógio D'Água, 2006, pp. 25; 27.

Wednesday, May 9, 2012

IRRADIAÇÕES


"Disseram-te de mim feios horrores,
De imaginárias culpas me crivaram,
E sobre as minhas lastimáveis dores
Um negro véu lançaram!

Distenderam os lábios, sacudindo
Com grave e sério gesto a fronte, e ao cabo...
(E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)
Chamaram-me o Diabo!

O que há de mais escuro e de mais feio
Na minha vida, ignoram-no os sandeus,
Tão oculto este amor vive em meu seio,
Ó luz dos olhos meus!"

Gonçalves Crespo, Nocturnos, Porto: Porto Editora, 1977, p. 31.

Tuesday, May 8, 2012

PILARES - ATLAS, CARIÁTIDES



"Do clarão que é das ruínas,
pelo escuro,
uns pedaços se unem em fio estendido, serpente
um dia já sangue erguendo e triturando o edifício,

Eis um mar que se abisma
que a si próprio se engole
e a si próprio se vomita
com uns destroços de galera.

Ruínas...
no clarão que as ilumina,
aos poucos se dilui um fio com princípio e fim.
Mas a acabar, ainda resplandece
na chave que abre a porta aos pesadelos!"

Edmundo de Bettencourt, Poemas Surdos, Lisboa: Assírio & Alvim, 1981, p. 38.

Monday, May 7, 2012

ELE DÁ E ELE TIRA



"El curso de este mundo, en ti bien lo has probado,
no puedes largamente estar en un estado.
Él da y Él quita todo, esté en ello habituado.
Quienquiera llore o ría Él no tiene cuidado.

En ti mismo lo puedes esto bien entender,
si tienes el corazón lo debes conocer,
jamás un hombre supo de ganar y perder;
debe en tu pena esto gran provecho tener.

No puede ningún hombre la cosa continuar
si no en tanto que el hado lo quisiere otorgar;
no se debía el hombre por pérdida quejar,
pues nunca por su queja lo puede recobrar."

Libro de Apolonio, ed. Pablo Cabañas, Madrid: Editorial Castalia, 1979, p. 90.

Sunday, May 6, 2012

A CRENÇA


"Qual é a glória da vida, agora
que não há glória nenhuma
senão a empobrecida realidade?
Acaso conhecer que o desengano
não te arrancou esse desejo fundo
de viver mais?

A glória da vida foi acreditar
que existia o eterno;
ou talvez fosse a glória da vida
aquele poder simples
de criar, com o claro pensamento,
a fiel eternidade.
A glória da vida, e seu fracasso."

Francisco Brines, Ensaio de Uma Despedida - Antologia, trad. José Bento, Lisboa: Assírio & Alvim, 1987, p. 111.

Saturday, May 5, 2012

A BUSCA


"En la búsqueda del origen del mal, las antiguas historias narran en primer lugar el nacimiento de la libertad, el despertar de la conciencia y con ello la experiencia del tiempo, por lo cual el mundo se convierte en objeto del cuidado. Narran en segundo lugar los embrollos dramáticos que surgen por el hecho de haber diferencias entre los hombres, por el hecho de que éstos se hagan conscientes de ellas, de que en adelante quieren diferencias y las diferencias se difundan activa y agresivamente."
Rüdiger Safranski, El mal o El drama de la libertad, trad. Raúl Gabás, 2ª ed., Barcelona: Tusquet Editores, 2010, p. 109.

Thursday, May 3, 2012

ERODIR




"A perfeição suprema parece imperfeita.
A sua acção não se interrompe;
A plenitude suprema parece vazia,
A sua acção não tem limites.

A rectidão suprema parece sinuosa.
A habilidade suprema parece desajeitada.
A eloquência suprema parece balbuciante.

O movimento triunfa do frio.
O repouso triunfa do calor.

Pureza e quietude são normas do mundo."



Lao Tse, Tao Te King, trad. António Melo, 6ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2000, p. 58.

Wednesday, May 2, 2012

A RODA GIRANDO



"Oh, cantemos as antigas colheitas do açafrão
E qualquer êxtase suave, rosa do eterno instante.

Oh, evoquemos nos nichos vazios dos templos
A música da luz polindo a brancura das estátuas.

Relampejar de tesouras sobre frontes submissas,
Jovens trilhando a primavera, e a roda girando."
Nuno de Sampayo, in Líricas Portuguesas, vol. II, seleç e apresent. Jorge de Sena, Lisboa: Edições 70, 1983, p. 259.

Tuesday, May 1, 2012

LA MENINA


"A vida é estranhamente fácil e doce para certas pessoas de uma grande distinção natural, espirituosas, afectuosas, mas que são capazes de todos os vícios, se bem que não pratiquem nenhum publicamente e ninguém lhes possa apontar um único. Têm qualquer coisa de maleável e secreto. Além disso, a sua perversidade dá sabor às ocupações mais inocentes, como passear de noite nos jardins."
Marcel Proust, Os Prazeres e os Dias, trad. Manuel João Gomes, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 2010, p. 46.